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Agora é hora de Lula e Petro pressionarem Maduro por eleições livres, diz Juan Manuel Santos

Em entrevista à Folha de S.Paulo, em Bogotá, Juan Manuel Santos fala de sua desilusão sobre eleições livres, sobretudo  com o presidente Gustavo Petro, cuja candidatura havia apoiado, e do papel que Lula, no Brasil e Colômbia têm na transição democrática na Venezuela, comandada com braço de ferro por Maduro.

Ex-presidente da Colômbia e prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, 72, anda pela Feira do Livro de Bogotá como um popstar: as pessoas pedem fotos, autógrafos e ele fala ao público sobre seu novo livro, “La Batalla Contra La Pobreza” (ed. Planeta, importado), no qual conta como conseguiu reduzir a pobreza de 40,3% para 27% durante sua gestão (2010-2018) número que voltou a crescer com a pandemia de Covid-19.

Trata-se de sua segunda obra sobre esse período. A primeira, “La Batalla Por La Paz”, conta os bastidores da negociação que encerrou o conflito com a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em 2016.

Pergunta – O que o senhor achou do “relançamento” da relação entre Brasil e Colômbia? Como avalia essa viagem de Lula a Bogotá?

Juan Manuel Santos – Tudo o que for para melhorar as relações entre Brasil e Colômbia é bem-vindo, porque são dois países que, se trabalham juntos, podem ter muita sinergia. A Colômbia pode crescer mais se importar do Brasil sua estratégia agropecuária, e o Brasil pode ter um aliado importante para conter a crise na Amazônia.

P. – O senhor sente que trabalhou bem com os presidentes brasileiros na época de seu governo? Com Lula, Dilma e Temer?

J. M. S. – Sim, a Dilma me apoiou muito no processo de paz, foi muito importante. A primeira viagem que eu fiz como presidente foi ao Brasil. E eu já tinha o antecedente de ter trabalhado com o Brasil na Organização Internacional do Café, já conhecia bem o Itamaraty. Gosto muito do seu país.

Com Temer tenho uma lembrança curiosa.

P. – Qual?

J. M. S. – Estivemos juntos na Assembleia-Geral da ONU em 2017, e Donald Trump pediu para falar reservadamente com os os principais países latino-americanos sobre a Venezuela. E Trump nos dizia, primeiro parecia uma piada, depois vimos que era sério: “por que não uma invasão?”.

E eu lhe disse: “esqueça presidente, isso seria uma loucura espantosa”. Foi então que dei uma sugestão a ele e ao grupo de que era necessário dar uma saída digna a [Nicolás] Maduro. Que se suspendessem as investigações contra ele na Corte Penal Internacional e que ele não fosse perseguido por seus crimes, senão, ele nunca deixaria o poder.

Mas Trump não gostou nada da ideia, ele queria uma solução mais linha dura. E hoje, estamos onde estamos.

P. – O presidente Petro anunciou nesta semana uma proposta de plebiscito na Venezuela, em que se votaria por garantias para quem perdesse. O que o senhor acha dessa proposta?

J. M. S. – Não creio que seja eficiente. O que posso dizer é que se Lula e Petro realmente querem pressionar Maduro por eleições livres, o momento é agora. Esta semana será importante, porque o regime deve reagir a essa unificação da oposição em torno da candidatura do ex-embaixador Edmundo González Urrutia. É possível que Maduro tente inabilitá-lo. Seria muito importante que Lula e Petro lhe dissessem: “respeite esse candidato”.

Maduro não vai jogar com uma possibilidade grande de perder. E as pesquisas já mostram ele atrás de uma oposição unificada com pelo menos por 20% dos votos.

P. – O senhor que conhece Maduro tão bem, que tratou tanto com ele durante o processo de paz, o que pensa que ele quer?

J. M. S. – Maduro está agarrado ao poder. Eu sempre acreditei que ele só o deixaria se lhe derem uma ponte de ouro, uma saída digna a ele e a todo o comando do regime. Senão, ele vai morrer aí, se defendendo.

P. – Seria como oferecer um acordo de paz a Maduro?

J. M. S. – Sim, se ele tivesse certeza de que, ao perder, não iria para a prisão, facilitaria uma transição. É aí que há muito desacordo porque Maduro tem muitos crimes pelos quais responder. Por isso a transição dependeria de uma negociação séria e responsável, como se faz, justamente, em um processo de paz.

P. – No livro o senhor conta que, se o acordo de paz fosse implementado na íntegra, isso automaticamente ajudaria a resolver o tema da pobreza, pois em seu artigo número 1 está uma reforma agrária. Qual foi o obstáculo para colocar isso em prática?

J. M. S. – Falta de vontade política. Isso estava pronto para ser aplicado, mas meu sucessor, Iván Duque, não se interessou, e o presidente Gustavo Petro, por sua vez, tem vontade, mas tem sido incapaz de coordenar essa implementação.

P. – Parece que Petro é bom na teoria, no discurso bonito, mas não é pragmático, não?

J. M. S. – Ele tem boas ideias, mas quando é hora de convertê-las em realidade, tem uma dificuldade política enorme. Lula tem muito mais experiência de como governar, e tem uma equipe boa o ajudando. Não é o caso de Petro.

P. – Da última vez que falamos, o senhor disse que apoiava Petro nas eleições de 2022. Hoje, está arrependido?

J. M. S. – No que diz respeito à implementação do processo de paz, sim, porque foi algo que ele prometeu fazer na campanha. E eu me iludi, porque o meu sucessor [Iván Duque, de 2018 a 2022] não fez nada, mesmo sendo uma obrigação constitucional. Não fez porque não quis. E Petro, embora querendo, não fez quase nada em relação a isso em quase dois anos, lhe falta capacidade. Nesta área, estou, sim, decepcionado.

P. – Por que está sendo tão difícil fazer a paz com o ELN [Exército de Libertação Nacional]. No que se diferem das Farc e o que complica tanto as negociações?

J. M. S. – Primeiro, não houve rigor e método por parte do governo para seguir com a negociação que nós tínhamos iniciado durante a minha gestão. Um processo de paz precisa ser bem planejado, estudado, é preciso saber o que o outro busca, prestar atenção em qual é linha vermelha que não se pode atravessar.

Petro retomou esse processo, mas junto com outros ao mesmo tempo, o que não permite ter foco. Ele não formou uma boa equipe e não está levando em conta a diferença do que é guerrilha e o que são facções criminosas.

Depois, o ELN é uma organização mais horizontal, portanto é difícil o consenso, há líderes mais independentes. No caso das Farc, a organização era vertical, o que facilitou conversar com os líderes e saber quais eram as reivindicações.

P. – Este é o seu segundo livro sobre sua gestão. O primeiro foi “La Batalla Por La Paz”, agora, “La Batalla Contra La Pobreza”. Qual das duas batalhas foi mais difícil?

J. M. S. – São duas batalhas muito diferentes, mas também complementares. Enquanto eu negociava a paz no meio da guerra, tinha de lutar também contra a pobreza. Muitas vezes, isso era difícil, mas ao mesmo tempo, ter avançado contra a pobreza facilitou os diálogos de paz.

P. – No livro, o senhor fala de sua origem, numa família tradicional e abastada da Colômbia, que esteve junto ao poder por séculos [sua tia-tataravó foi uma heroína nas guerras de independência, antepassados foram políticos importantes e hoje os Santos são poderosos empresários: entre outros empreendimentos, foram donos do jornal El Tiempo]. Como foi para o senhor, pessoalmente, descobrir a pobreza e a desigualdade no país?

J. M. S. – Foi um processo. Meu primeiro impacto foi ver que as condições em que eu vivia eram muito diferentes das que vivia, por exemplo, o filho do caseiro na fazenda. Eu brincava com esse menino quando era criança, e quando fui à sua casa, foi um choque. Depois fui entendendo o que isso significava para um país, a injustiça que isso representava e como isso era um entrave para o desenvolvimento da Colômbia.

Isso fez com que eu quisesse estudar e me dedicar à luta contra a pobreza. O mesmo ocorreu comigo em relação à paz. Afinal, percebi que se não tivéssemos paz, não poderíamos acabar com a pobreza, ambos são complementares.

RAIO-X | JUAN MANUEL SANTOS, 72

Nascimento

10 de agosto de 1951, em Bogotá

Formação

Economia e administração, pela Universidade de Kansas, com mestrado na London School of Economics e na Universidade de Harvard

Mandato

Presidente da Colômbia de 2010 a 2018; antes, foi ministro de Defesa e da Fazenda

Prêmios

Nobel da Paz em 2016, entre outros

Folha de São Paulo

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