A área técnica da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) abriu procedimento para avaliar impactos da possível expansão de serviços de internet via satélite da Starlink no Brasil.
A iniciativa se dá logo após o bilionário Elon Musk, dono da empresa, ter feito críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o qual chamou de “ditador do Brasil”.
Em 19 de abril, o conselheiro Alexandre Freire acionou a Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação para levantar dados sobre pedidos e autorizações concedidos de exploração de órbita de radiofrequências via satélites.
No documento, Freire menciona o embate de Musk com autoridades brasileiras, além de preocupação concorrencial com a expansão dos negócios. Ele também aponta ponderações da comunidade internacional sobre “sustentabilidade espacial”.
Moraes incluiu, em 7 de abril, o empresário que também é dono do X, antigo Twitter, como investigado no inquérito que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas e seu financiamento. O ministro do STF ainda determinou a abertura de investigação sobre possíveis crimes de obstrução à Justiça.
Na decisão, Moraes afirmou que a medida se justifica pela “dolosa instrumentalização criminosa” do X, em conexão com os fatos investigados nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. No dia seguinte, o empresário disse que Moraes se tornou ditador e tem Lula “em uma coleira”.
Integrantes da Anatel afirmam que a superintendência vai levantar os dados e repassar a Freire. Ele preside o Comitê de Infraestrutura da Anatel. As informações ainda devem ser levadas para o conselho da agência, que tem em mãos pedido da Starlink para explorar no Brasil uma frota maior de satélites.
O conselheiro cita trechos de pedido Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) para o governo rever contratos com a Starlink e o X “por conta da violação à soberania nacional defendida pelo Sr. Elon Musk”.
A agência aprovou em janeiro de 2022 a exploração dos satélites da Starlink no Brasil até março de 2027.
Freire disse à Folha de S.Paulo que o pedido foi motivado por preocupações “de ordem concorrencial e de sustentabilidade ambiental”, pois a Starlink já detém “número significativo de satélites e busca expandir ainda mais a sua presença”.
Ele afirmou que a agência fará uma análise técnica sobre o tema e negou que as falas de Musk sejam o cerne desse processo, ainda que o próprio documento do conselheiro cite a ofensiva recente do empresário sobre autoridades brasileiras.
“Entendo que seja fundamental avaliar o potencial de concentração de mercado, especialmente quando uma empresa, como a Starlink, detém um número significativo de satélites e busca expandir ainda mais sua presença. Isso pode levantar sérios questionamentos sobre possíveis práticas anticompetitivas e o exercício de poder de mercado”, disse Freire.
O conselheiro ainda afirmou que “a sustentabilidade espacial deve ser uma prioridade”. “Considerando a escassez dos recursos orbitais e os impactos ambientais associados ao lançamento e descarte de satélites. O sobreuso das órbitas não geoestacionárias pode comprometer a viabilidade futura da exploração espacial e agravar problemas como a geração de lixo espacial e os riscos de colisões.”
Dados da Anatel mostram que, entre maio de 2023 e fevereiro deste ano, a companhia passou de 57.605 acessos à banda larga via satélite para 149.615 (260% de crescimento), a maior parte em regiões mais afastadas, como a Amazônia e o Centro-Oeste.
Procurada, a Anatel não se manifestou sobre o pedido de Freire. Integrantes da Anatel dizem que a análise é técnica, mas reconhecem que pode ser utilizada na disputa entre Musk e Moraes.
“Anota-se que a Starlink já detém uma constelação de mais de 4.000 satélites, para os quais foi concedida autorização pela Anatel, permitindo-lhe o uso das bandas Ku (11/14 GHz) e Ka (20/30 GHz) até 28 de março de 2027. Soma-se que ela já obteve, nos Estados Unidos, no ano de 2022, autorização para o lançamento de outros 7.500 satélites. Atualmente, a Starlink busca uma nova autorização semelhante junto à Anatel, incluindo a adição de faixas e de quantitativos de satélites”, afirma Freire, no documento enviado à área técnica.
“Nesse cenário, não podem ser descartadas preocupações concernentes à concentração de mercado no arco de frequência detido pela holding”, diz ainda o pedido.
FolhaPress