O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, e o corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, protagonizaram um embate no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sobre o andamento de apuração referente a eventuais ilegalidades na criação do chamado fundo da Lava Jato.
A discussão ocorreu na terça-feira (20) no plenário do CNJ, órgão que também é presidido por Barroso.
Salomão quer impedir o arquivamento de uma representação contra a juíza Gabriela Hardt sobre o período em que ela esteve à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba. Barroso, por sua vez, defende que o caso já está definido e que o colegiado deve arquivá-lo.
O procedimento no CNJ, de 2019, é de iniciativa da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, sob a alegação de que a magistrada atuou fora de suas atribuições ao homologar acordo firmado entre a Petrobras e o MPF (Ministério Público Federal) que formalizava o fundo e, portanto, teria cometido uma infração disciplinar.
Hardt substituiu o ex-juiz Sergio Moro na 13ª Vara de Curitiba quando ele deixou a magistratura para ser ministro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O conselho tem oito votos para encerrar a apuração, já proferidos no plenário virtual. A análise foi transferida posteriormente ao plenário presencial. O pleno vota se confirma ou não o arquivamento do caso feito em 2019 pelo então corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, que não identificou irregularidades na conduta de Hardt.
Em meio ao embate entre Barroso e Salomão na última terça, o conselheiro Caputo Bastos pediu vista (mais tempo para analisar a matéria), adiando mais uma vez o desfecho do caso.
A criação do fundo, noticiada pela Folha de S.Paulo, se daria com recursos de multa imposta a Petrobras como parte de um acordo com autoridades dos Estados Unidos para compensar perdas de acionistas minoritários com os esquemas de corrupção revelados a partir de 2014.
O fundo financiaria uma fundação independente que administraria esses recursos recuperados para bancar projetos de cidadania e anticorrupção.
Depois de idas e vindas do caso contra Hardt no plenário virtual do CNJ e os 8 votos pelo arquivamento do processo, Salomão apresentou questão de ordem por entender que há fatos novos que justificam a manutenção do caso em tramitação.
“Por que que eu vou arquivar esse aqui? Qual é a minha obrigação? É trazer aos conselheiros e dizer: olha, está sendo apurado lá. Querem arquivar? São R$ 3,5 bi”, afirmou ele na sessão plenária, referindo-se ao trabalho correicional conduzido pelo CNJ e em andamento na 13ª Vara Federal para esclarecer indícios de irregularidade naquela unidade da Justiça na condução da Lava Jato.
O corregedor argumentou que, quando do início da apreciação do procedimento contra Hardt no CNJ, não havia, ainda, a decisão do STF que declarou inconstitucional a homologação do acordo entre MPF e Petrobras.
“O fato é grave porque estamos falando aqui de um possível desvio de recursos e quem disse foi o relator da ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] no STF Alexandre de Moraes de US$ 700 milhões, o que seriam R$ 3,5 bilhões”, apontou o corregedor.
Na ação citada por Salomão, Moraes concedeu uma decisão provisória, em fevereiro de 2021, para estabelecer que o Ministério Público não pode definir a destinação de valores decorrentes de condenações criminais e acordos de colaboração premiada ou de leniência.
Salomão deu início às investigações da Corregedoria Nacional de Justiça na 13ª Vara Federal da capital paranaense e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsáveis pelos processos da Lava Jato na primeira e na segunda instâncias, em maio de 2023. Em setembro, ele fez uma visita surpresa à Vara Federal.
“Foi na correição que se cruzaram elementos. Eu verifiquei na Vara uma situação caótica de gestão de recursos. É preciso saber quem gerou essa situação. E isso não tem nada a ver com combate à corrupção. A primeira impressão que eu tive é que a gestão era caótica e que tem US$ 700 milhões que se queriam destinar a uma fundação privada.”
Na defesa da conclusão do julgamento, Barroso afirmou que o processo foi “parado artificialmente, sem justificativa”, ao se referir a pedidos de vista anteriores, e que o procedimento não pode seguir em aberto a espera de achados da correição conduzida por Salomão.
“Não me parece precedente bom anular o julgamento porque alguém não gosta do resultado”, afirmou Barroso.
“Pede-se a anulação do julgamento por fatos que ninguém sabe quais são. Se a correição apurar fato novo, é claro que isso pode ser reaberto, se for apurado que a homologação se deu por motivação diferente da que deve motivar o juiz.”
O presidente do conselho reforçou reiteradas vezes na sessão que pautaria de imediato a análise de eventuais irregularidades identificadas pela corregedoria na 13ª Vara.
“Ninguém aqui deve passar a mão sobre coisas erradas, mas eu não vi aqui nenhum ato dessa moça [Gabriela Hardt] que possa justificar um processo administrativo. Não é uma pessoa de má fama, é uma pessoa que homologou um acordo do Ministério Público Federal”, disse.
“Não foi um acordo de uma parte privada suspeita, mas do Ministério Público Federal”, frisando que à época a Lava Jato desfrutada de “credibilidade global”.
Folha de São Paulo