O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), deve tentar manter o julgamento de pedidos de suspensão de multas dos acordos da J&F e Novonor (a antiga Odebrecht) na Segunda Turma da corte, com maioria de ministros críticos à Operação Lava Jato e mais chance de manutenção da decisão.
Toffoli está desde o ano passado à frente do caso, que em seu início abordava as mensagens hackeadas de integrantes da Lava Jato, e agiu naquela época para ficar com essa relatoria.
As decisões do ministro em favor dos dois conglomerados empresariais têm dividido o Supremo.
Na segunda-feira (5), o procurador-geral da República, Paulo Gonet, recorreu da decisão de Toffoli relativa à J&F na tentativa de derrubar a suspensão da multa, que tinha sido fixada em 2017 em R$ 10 bilhões. A medida do ministro tinha sido despachada em dezembro.
Caso o pedido do procurador-geral vá mesmo para a Segunda Turma, as chances de as decisões serem mantidas são maiores.
Nesse cenário, o ministro Kassio Nunes Marques tem sido apontado nos bastidores como um voto decisivo no possível julgamento sobre a suspensão de multas.
A avaliação de integrantes do Supremo em conversas reservadas é a de que os magistrados Edson Fachin e André Mendonça, que têm histórico em favor da Lava Jato, provavelmente votarão para derrubar a ordem judicial de Toffoli.
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, é visto como um apoiador da suspensão das multas. Kassio, portanto, passou a ser visto nos bastidores como um provável voto de desempate no julgamento -o ministro também tem histórico critico à operação.
Antes da análise do mérito do caso, os magistrados deverão julgar o pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) para que o processo seja discutido no plenário da corte. Uma maioria em favor da retirada da ação da turma poderia forçar o julgamento no plenário, com a presença dos 11 ministros do tribunal.
Há outro elemento que pode embaraçar ainda mais o quadro relativo às multas das duas empresas. Mendonça indicou a interlocutores que em breve deve liberar para ser julgado pelo plenário do STF uma ação que discute todos os acordos de leniência firmados antes de agosto de 2020.
A partir do gesto de Mendonça, caberá ao presidente da corte, Luís Roberto Barroso, marcar uma data para o julgamento.
O processo sob responsabilidade de Mendonça discute os acordos de leniência firmados antes de agosto de 2020, quando STF, PGR, órgãos do Executivo e TCU (Tribunal de Contas da União) firmaram um termo de cooperação técnica para atuação nesses casos.
Caberá ao plenário da corte definir o alcance da decisão a ser tomada no processo sob responsabilidade de Mendonça. Uma possibilidade, para não confrontar a Segunda Turma, seria aproveitar que se trata de uma ação ampla para fazer uma discussão mais genérica e estabelecer balizas para acordos dessa natureza.
As medidas de Toffoli revendo compromissos e decisões dos tempos da Lava Jato têm despertado críticas. No mais recente episódio, na segunda-feira, o magistrado autorizou uma investigação sobre a participação da ONG Transparência Internacional no acordo de colaboração da J&F, grupo empresarial dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e que não tinha sido firmado na operação deflagrada em Curitiba.
A direção mundial da ONG chamou a decisão de retaliação.
Lista **** No pedido para rever a suspensão da multa da J&F, o procurador-geral defendeu que o processo seja redistribuído pelo magistrado a um colega ou, se ele discordar dessa tese, que reveja seu posicionamento. Caso mantenha o decidido, Gonet pede que ele submeta a controvérsia ao plenário do tribunal.
Gonet busca o plenário como alternativa à maioria anti-Lava Jato na Segunda Turma. Para isso, o PGR argumenta que o pleito da J&F deve tramitar juntamente com a ação relatada por Mendonça, que discute de forma genérica os parâmetros adotados no âmbito da operação.
O acordo de leniência foi celebrado em 2017 entre a empresa e a Procuradoria da República do Distrito Federal.
O chefe da Procuradoria disse em sua manifestação que o acordo é fruto da Operação Greenfield, originária de investigação sobre rombos nos maiores fundos de pensão do país.
Ele também afirmou que reverter a decisão de Toffoli impedirá “grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro, com vultoso prejuízo especificamente à Funcef e à Petros”, em referência aos dois fundos alvos de irregularidades investigadas pela Greenfield.
Um temor nos bastidores da corte é que as decisões de Toffoli possam ir além da redução da multa e que, eventualmente, também sirvam para anular provas contra investigados no âmbito das ações.
Isso porque Toffoli afirmou, na decisão em que suspendeu as multas, que diálogos dos procuradores entre si e com o então juiz Sergio Moro levantam “dúvidas razoáveis sobre o requisito de voluntariedade” na negociação do acordo.
Nas decisões, o ministro cita que as “informações obtidas até o momento na Operação Spoofing”, na qual constam as conversas hackeadas entre integrantes da Lava Jato, “no sentido de que teria havido conluio entre juiz processante e órgão de acusação” justificam a paralisação dos pagamentos.
Dessa forma, há a avaliação nos bastidores de que, se chegarem à conclusão de que houve conluio de fato, o processo estaria viciado na origem e poderia gerar a anulação de todas as provas -inclusive em que já houve admissão de culpa por parte dos envolvidos.
Toffoli está na relatoria do procedimento, ligado à Lava Jato, desde a aposentadoria do antigo relator, Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça. O magistrado atuou para herdar os processos relativos às mensagens de integrantes da Lava Jato que deram origem às ações em que J&F e Novonor solicitaram a suspensão de multas dos acordos de leniência.
O magistrado pediu para assumir o assento de Lewandowski na Segunda Turma do STF após a aposentadoria do colega. Caso ele tivesse permanecido na Primeira Turma do tribunal, não seria o atual relator dos processos sobre os dois grupos.
Devido à troca de colegiado, Toffoli ficou com os processos que estavam na alçada de Lewandowski, inclusive os casos dos diálogos entre integrantes da operação.
Foi com base nessas conversas que Toffoli afirmou que “dúvidas razoáveis sobre o requisito de voluntariedade” na negociação dos acordos de leniência justificam a suspensão do pagamento das multas pelas empresas para que elas sejam recalculadas.