O presidencialismo é vulnerável à chantagem parlamentar – um problema não apenas brasileiro. Que tal mudar para o parlamentarismo, em que o chefe do Executivo tem necessariamente a maioria para governar?
Arthur Lira, o todo-poderoso chefão da Câmara dos Deputados, teve um Carnaval mais do que especial. No Sambódromo do Rio de Janeiro, ele desfilou pela Beija-Flor, que homenageou a cidade de Maceió, parte do “reino de Lira”. Para isso, o prefeito maceioense, João Henrique Caldas, conhecido como JHC, um amigo político de Lira, mandou 8 milhões de reais para a escola de samba carioca. Parte dessa grana, segundo o prefeito (conforme comunicado da prefeitura), viria de emendas parlamentares.
As emendas parlamentares são recursos aplicados conforme a vontade de cada parlamentar, privilegiando suas bases eleitorais. E tais emendas fazem a festa no “reino de Lira”. Para o atual ano de 2024, o Congresso aprovou o valor recorde de 53 bilhões de reais em emendas parlamentares, um grande aumento sobre os já bem gordos 37,3 bilhões de reais do ano passado. O aumento do valor reflete o poder cada vez maior do Congresso sobre o orçamento. Em nenhum outro país do mundo, os parlamentares conseguem interferir tanto no orçamento como aqui no Brasil.
As emendas se fortaleceram em 2015, quando a fraqueza do governo Dilma acordou a fome dos congressistas. Desde então, tal fome dos parlamentares só aumentou. Eles sabem que o presidente Lula precisa da cooperação do Congresso para conseguir realizar suas políticas – fato inerente do presidencialismo brasileiro. O que culminou no mensalão do governo Lula (2005) uma mesada paga a deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo. Hoje, o governo procura garantir os votos de forma mais institucionalizada e legalizada.
Mas o problema, no fundo, continua o mesmo. Tanto o presidente quanto os parlamentares foram eleitos de forma direta pelo povo. A ideia era aplicar o sistema de freios e contrapesos, quer dizer: em uma divisão dos poderes, um poder fiscaliza o outro. Mas, na realidade, deixa o sistema vulnerável a bloqueios, que só se resolvem através de barganhas. Pois o partido do presidente não tem maioria no Congresso.
Vemos um cenário semelhante atualmente na Argentina, onde o novo presidente Javier Milei não tem uma maioria para transformar suas ideias libertárias em leis. Partiu, portanto, para a fase 2, que é o xingamento dos parlamentares como “traidores da pátria”. E ameaça governar por plebiscitos. Só que eles não são vinculativos quando a iniciativa vem do presidente e não do Congresso. Assim, Milei pode logo virar um lame duck, ou seja, carta fora do baralho da política argentina.
Impasse semelhante se vê nos Estados Unidos, onde partes do Partido Republicano no Congresso bloqueiam os pacotes de ajuda financeira do governo de Joe Biden à Ucrania, Israel, Palestina e Taiwan. Resta ao presidente Biden apenas fazer apelos. Brasil, Argentina e Estados Unidos – três exemplos que mostram como o presidencialismo dificulta a capacidade do Executivo de botar em prática suas políticas.
Diferente do parlamentarismo, em que a maioria do Parlamento elege o chefe do Executivo. Para manter o governo vivo, a maioria parlamentar precisa prevalecer. Pois quando ela se perde, o governo cai. Assim, garante-se que o governo tenha a maioria necessária para tocar o barco da governabilidade.
Sei que a ideia de trocar o presidencialismo pelo parlamentarismo é um tema antigo no Brasil, discutido e votado há trinta anos, quando uma maioria optou pelo presidencialismo. Escuto muitas vezes que o parlamentarismo não funcionaria no Brasil, devido à má qualidade dos partidos, que, muitas vezes, não têm ideologia, mas seguem os lemas do fisiologismo. Quero dizer: as trocas de favores em detrimento do bem comum.
Se isso é verdade, me parece mais um argumento para o parlamentarismo. Pois só a disciplina exigida para manter a base governamental neste sistema pode enfraquecer o fisiologismo – que, no sistema do presidencialismo, corre solto. Ou, melhor dizendo: nestes tempos de Carnaval, samba solto na cara dos brasileiros.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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Autor: Thomas Milz