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Provas contra Bolsonaro são ‘irrefutáveis’ e pena deverá ser ‘muito alta’, prevê ex-ministro José Eduardo Cardozo

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo afirmou em entrevista exclusiva ao Terra que acredita que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pegará uma “pena muito alta” no julgamento que começou nesta semana no STF (Supremo Tribunal Federal) e recomeçará na próxima terça-feira, 9. Bolsonaro e outros sete réus são acusados de tentativa de golpe de Estado.

Cardozo foi deputado federal por oito anos pelo PT, ministro da Justiça durante o primeiro governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e AGU (Advogado-geral da União) no segundo mandato da petista, tendo sido seu defensor no processo de impeachment. Na avaliação do advogado, as provas coletadas contra Bolsonaro são “irrefutáveis”, e o ex-presidente deverá ser condenado a cumprir pena em regime fechado.

“Há uma tentativa clara de golpe de Estado, há uma configuração probatória nítida de que se tentou derrubar o governo do presidente Lula. Isso num processo que vem ao longo do tempo. A descrição feita pela Procuradoria Geral da República a partir do relatório da Polícia Federal é perfeita, absolutamente perfeita.” – ex-ministro José Eduardo Cardozo

“A somatória dos crimes que estão configurados, ao meu ver, dará uma pena muito alta. E não é por decisão do Supremo que ele deve cumprir em regime fechado, mas pela dimensão da pena, porque é assim que funciona a legislação penal brasileira”, completou em entrevista ao Terra Agora.

O ex-ministro ainda comparou a situação de Bolsonaro com a condenação do presidente Lula (PT) em 2018 – posteriormente anulada pelo STF.

“O presidente Lula foi condenado por um juiz que selecionou as provas para colocar nos autos e, por isso, foi referendado pelas instâncias superiores até que se descobrisse a fraude”, afirmou. “Neste momento, temos uma situação muito diferente. É um julgamento feito pela Suprema Corte, a partir de uma tentativa óbvia de golpe de Estado. Não dá para apagar as provas que foram produzidas, porque elas são evidentes. E aí o Supremo Tribunal Federal vai ter que se posicionar sobre esse assunto para que cumpra com seu papel de guardião da Constituição e da democracia brasileira. Ele vai ter que aplicar a sua sanção.”

Leia abaixo trechos da entrevista.
Terra: Pela sua interpretação do que foi apresentado pela acusação e pelas defesas, o senhor acha que o ex-presidente Bolsonaro deveria ser condenado? E, se sim, deveria ir para prisão em regime fechado?

José Eduardo Martins Cardozo: Acho que as provas que foram coletadas são absolutamente irrefutáveis. Ou seja, há uma tentativa clara de golpe de Estado, há uma configuração probatória nítida de que se tentou derrubar o governo do presidente Lula. Isso num processo que vem ao longo do tempo. A descrição feita pela Procuradoria Geral da República a partir do relatório da Polícia Federal é perfeita, absolutamente perfeita. Não se trata de um discurso político que diz: “ah, não houve golpe”. Isso é um discurso político que tenta unir os defensores de Jair Bolsonaro em torno de fatos que efetivamente não procedem.

A somatória dos crimes que estão configurados, ao meu ver, dará uma pena muito alta. E não é por decisão do Supremo que ele deve cumprir em regime fechado, mas pela dimensão da pena, porque é assim que funciona a legislação penal brasileira. Então, a meu ver, a quantificação deverá ser alta. Não me arrisco a dizer quanto. Não vou chutar porque existe uma margem, mas dificilmente, a meu ver, é impossível que seja algo inferior àquele teto no qual ele não cumpra regime fechado.

O ex-presidente da República Jair Bolsonaro é réu no STF por tentativa de golpe de Estado.
O ex-presidente da República Jair Bolsonaro é réu no STF por tentativa de golpe de Estado. Foto: Wilton Junior/Estadão / Estadão

O fato de o ex-presidente ser idoso e ter problemas de saúde pode atenuar a pena de alguma maneira? Ou ele pode ir para o regime fechado e depois obter esse benefício da prisão domiciliar por essas questões?

Não a pena. Mas ao longo da execução, isso terá que ser avaliado. Claro, tivemos várias pessoas que foram condenadas e que cumpriram pena em regime fechado, apesar da idade avançada. Mas o estado de saúde é algo que deve ser considerado até por uma razão humana.

Então, se eventualmente for comprovado que Jair Bolsonaro terá dificuldades de tratamento ou sofre uma situação absolutamente que não recomenda o regime fechado, eu acho que nada impedirá que, ao longo da execução, ele possa, até como é o caso do presidente Collor, ter uma prisão domiciliar como forma de execução de pena. Mas isso, em si, não interfere na fixação da pena, pode interferir na execução da pena.

Na sua visão, a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid tem consistência? Ela pode ser alvo de questionamento nos recursos posteriores ao julgamento?

É importante deixar claro que uma delação em si não qualifica elemento probatório. Ela é, na verdade, um indicador de situações que devem ensejar a corroboração por parte do universo probatório. Ou seja, se fosse só a delação do senhor Cid, por si só, mesmo que não tivesse voltado atrás, não valeria nada.

O que é preciso verificar é o confronto do que ele fala com os fatos provados no processo. E não tenho a menor dúvida de que, embora tenha havido idas e vindas, todas elas explicadas pelo Cid e pelo seu advogado, está provado o que ele falou. É indiscutível. Se encaixa como uma luva a versão do Cid em todas as nuances que foram colocadas. Pode se considerar um ponto ou outro, uma situação ou outra que precise ser objeto de reflexão. Mas o grosso do que o Cid disse se harmoniza com o conjunto probatório. Isso, portanto, torna o conjunto das provas absolutamente suficiente para uma condenação.

Outro argumento das defesas: fala-se muito sobre um eventual ‘superpoder’ do ministro Alexandre de Moraes, porque ele é o relator do caso, um dos julgadores, mas também uma das vítimas do ‘Punhal Verde Amarelo’, um suposto plano de assassinato contra o ministro Moraes, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Como o senhor vê esse argumento do ‘superpoder’ do ministro? Ele deveria ter se declarado impedido de seguir com esse processo?

Mais um ponto retoricamente insustentável no bom direito. Existe um princípio chamado juiz natural. É o juiz que naturalmente deve julgar e, a partir daí, ele que garante a idoneidade e a lisura do processo. O princípio do juiz natural exige que, se o juiz que preside o processo for ameaçado ao longo do processo, se for coagido, isso não deve qualificar como causa de suspeição. Por quê? Porque, senão, seria simples: se eu tenho um juiz que não me agrada, eu o ameaço, ele terá que se declarar suspeito e eu escolho outro. Você estaria criando condições para o réu escolher o juiz. Isso ofende o princípio do juiz natural.

O próprio Código de Processo Civil, que deve ser aplicado nesse caso, fala que fatos que acontecem a posteriori do início da função não podem servir como formas de qualificação de impedimento ou suspeição.

Quando Alexandre de Moraes assumiu a direção da investigação, de acordo com aquilo que estabelece o regimento do Supremo Tribunal Federal, houve uma discussão se era válido, se não era válido, mas o Tribunal decidiu que valia. A partir daí, começam ameaças. Ora, ele deve se afastar por causa disso? Não, em hipótese nenhuma. (…) Imagine se o juiz tivesse que sair do processo toda vez que fosse ameaçado? Não haveria juiz que permanecesse no processo para julgá-lo.

Ao meu ver, é de uma obviedade total. Então esse é o primeiro argumento.

O segundo argumento é: de fato, o tal do plano Punhal Verde Amarelo falava em assassinato de Lula, de Alckmin e de Alexandre de Moraes. Outras situações também existiram na tentativa de coagir Alexandre de Moraes. (…) O que nós estamos julgando neste caso? Violação do Estado de Direito, a existência de uma organização criminosa, a tentativa de derrubar um governo legitimamente eleito. Moraes não é vítima. Ele faz parte dos fatos. Fatos que surgiram depois que inicia o exercício da sua função.

Se estivesse julgando um caso de tentativa de homicídio, aí sim talvez se pudesse discutir se ele seria efetivamente suspeito ou não. (…) Neste [processo], os fatos aconteceram quando ele já era juiz. Ele não é a vítima, ele integra os fatos e, portanto, a menos que ele se sentisse, no seu interior, comprometido com a lisura do julgamento, não há nenhuma qualificação objetiva fática que diga: “Alexandre de Moraes não pode ser o juiz.”

Portanto, esse é um argumento, ao meu ver, absolutamente insustentável. Mas bons advogados precisam encontrar ou tentar transformar o insustentável em sustentável para poder tentar exercer a sua atividade.

Sete anos separam a condenação de Lula e o julgamento de Bolsonaro. Sabendo que os casos são diferentes – nos crimes pelos quais foram denunciados e nas instâncias pelas quais foram julgados -, como o senhor vê a diferença do Judiciário nesses dois casos?

As instituições brasileiras estão passando por um processo de fortalecimento, o que não significa que elas não vão cair.

O presidente Lula foi condenado por um juiz que selecionou as provas para colocar nos autos e, por isso, foi referendado pelas instâncias superiores até que se descobrisse a fraude, que se descobrisse o modus operandi da turma de Curitiba envolvendo o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, junto com os que os apoiavam. Isso foi revelado. A democracia reagiu quando viu aquilo, que havia maturidade para anular o que precisava ser anulado.

Neste momento, temos uma situação muito diferente. É um julgamento feito pela Suprema Corte, a partir de uma tentativa óbvia de golpe de Estado. Não dá para apagar as provas que foram produzidas, porque elas são evidentes. E aí o Supremo Tribunal Federal vai ter que se posicionar sobre esse assunto para que cumpra com seu papel de guardião da Constituição e da democracia brasileira. Ele vai ter que aplicar a sua sanção.

A próxima sessão do julgamento será na terça-feira, 9, com a análise dos ministros da Primeira Turma. Votarão, na ordem: Alexandre de Moraes (relator do caso), Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin (presidente da Turma). A condenação ou a absolvição dos réus será decidida pelo voto da maioria.

Confira as datas e horários das próximas sessões:

9 de setembro (terça-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h e das 14h às 19h;
10 de setembro (quarta-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h;
12 de setembro (sexta-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h e das 14h às 19h.
É possível acompanhar a transmissão pelos canais oficiais do STF — TV Justiça, Rádio Justiça, aplicativo Justiça+ e o canal do Supremo no YouTube. O Terra também transmite as sessões, assim como publica detalhes do julgamento e de seus bastidores.

Fonte: Redação Terra

 

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