A juíza Paula Weber Rosito, da 8ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre (RS), concedeu prazo de 72 horas para que o CFM (Conselho Federal de Medicina) se manifeste sobre ação civil pública que pede a suspensão de uma resolução que proíbe médicos de realizar um procedimento em casos de aborto legal por estupro.
A ação, protocolada nesta segunda (8) pelo Ministério Público Federal, é assinada por procuradores de três Estados (São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia), Sociedade Brasileira de Bioética e o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde.
Um outro processo judicial foi ingressado na última sexta (5) no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo mesmo motivo, também com pedido de liminar para a suspensão da resolução.
As ações tentam derrubar a norma do CFM que veta a realização da assistolia fetal, procedimento médico que consiste na injeção de produtos químicos que provocam a morte do feto antes da retirada do útero dos casos de aborto legal.
O procedimento é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), entidades internacionais de ginecologia e obstetrícia e pelo próprio Ministério da Saúde em casos de gravidez avançada resultante de estupro, cuja interrupção é autorizada por lei.
Há um consenso entre essas instituições de que o procedimento traz benefícios emocionais, legais e éticos relacionados ao “impedimento de expulsão fetal com sinais transitórios de vida”.
Conforme a Folha de S.Paulo relatou, a resolução já vem provocando suspensão de procedimentos de abortos legais por estupro. Na semana passada, ao menos quatro casos de meninas e mulheres com gestações avançadas resultantes de estupro estavam sendo acompanhados pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
Os médicos dos serviços de aborto legal temem sofrer represálias do CFM. “Todos estão muito preocupados e procurando caminhos e meios para revogar a resolução”, afirma Rosires Pereira, presidente da comissão de violência sexual e interrupção da gestação prevista em lei da Febrasgo.
Para as entidades, a resolução do CFM é ilegal porque restringe o direito fundamental de mulheres e meninas vítimas de estupro de acesso ao aborto permitido por lei desde a década de 1940.
“Não há fundamentação médico-científica para vedar o procedimento de assistolia. Ao impedir o uso de assistolia, O CFM impede o acesso à interrupção voluntária da gravidez em idade gestacional a partir de 22 semanas, restrição essa que não tem qualquer respaldo legal”, diz Ana Letícia Absy, procuradora regional dos Direitos do Cidadão, de São Paulo.
Para ela, é importante garantir o quanto antes o atendimento sem interrupções às mulheres com gestações resultantes de estupro e que decidiram pela interrupção voluntária legalmente assegurada.
“As vítimas que necessitam de atendimento em idade gestacional já avançada geralmente já passaram por mais de um equipamento de saúde. Já tiveram recusa de atendimento. Ou são crianças vítimas de violência que não percebem a gravidez em estágios iniciais.”
No caso de meninas, explica a procuradora, quanto maior a idade gestacional maior o risco de vida a elas. De acordo com estudos científicos, a partir da 9ª semana de gestação, o risco de morte aumenta 38% a cada semana que passa.
“O procedimento deve ser realizado o quanto antes para preservação da saúde física e psíquica da mulher que já passou pela violência extrema do estupro.”
Segundo as entidades, a instabilidade jurídica gerada pela edição da norma tem retardado ainda mais a realização do aborto legal, levando eventualmente à necessidade de aguardar uma autorização judicial para que os médicos possam realizar o procedimento, da forma que entendem mais adequada, sem o risco de sanções pelo conselho de classe.
Na ação, as entidades também argumentam que ao impor restrições que limitam a autonomia do médico e seu dever de aplicar o conhecimento científico mais atual e benéfico para o tratamento e o cuidado das meninas e mulheres que realizam o aborto legal, o CFM extrapola suas prerrogativas regulatórias e afronta os preceitos ético-jurídicos que norteiam a prática médica.
Na sexta, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que a pasta não vai interferir na decisão do CFM.
“O ministério não se posiciona sobre decisões do Conselho Federal de Medicina, não cabe a nós intervir nesse aspecto”, afirmou a ministra no Rio de Janeiro, após participar do lançamento da 6ª Caderneta de Saúde da Criança, na sede do Instituto Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“Reafirmamos que o ministério seguirá sempre o que está definido legalmente e também sempre terá o cuidado com a gestante, com a mulher, como seu princípio fundamental, o acolhimento”, disse.
Folha de São Paulo