O Ministério Público Federal (MPF) apresentou ação civil pública contra a União requerendo, em caráter de urgência, o repasse de recursos para retomar o serviço de atenção especializada a pessoas transexuais e travestis no Hospital das Clínicas de Goiás. O órgão pede, ainda, que o hospital seja obrigado a recompor a equipe multiprofissional necessária para voltar a oferecer os atendimentos previstos no chamado Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso inclui a realização de cirurgias de redesignação sexual, bem como atendimentos ambulatoriais complementares, terapias hormonais e acompanhamento psicossocial.
Segundo o MPF, tais serviços foram oferecidos pelo Hospital das Clínicas de Goiás de 2000 a 2022, tendo sido realizados no período 83 cirurgias de redesignação sexual, além de outros tipos de atendimento. Segundo o hospital, a ala cirúrgica funcionava com médicos voluntários, que acabaram deixando o projeto, após a morte da coordenadora em 2019. Com isso, o serviço foi interrompido, prejudicando 19 pessoas que aguardavam na fila para realizar o procedimento cirúrgico e outras 213 à espera de consulta ambulatorial.
Para a procuradora da República Mariane Guimarães, responsável pela ação, houve negligência do hospital goiano em relação a esses pacientes. Segundo conta na ação, nenhum deles foi devidamente comunicado sobre o fim da prestação do serviço, nem encaminhado para a única instituição habilitada no Projeto Transexualizador do SUS que restou no estado, o Hospital Estadual Alberto Rassi.
Além disso, o MPF sustenta que a falta de cirurgiões especializados em redesignação sexual não justifica, por si só, o encerramento de todas as demais atividades ambulatoriais complementares. Ainda que fosse necessário interromper momentaneamente as cirurgias de redesignação sexual, por falta de profissionais, outros atendimentos poderiam ter sido mantidos, como as terapias hormonais, a mastectomia (remoção da mama), a tireoplastia (retirada do pomo de Adão) e o acompanhamento psicológico.
Na ação, o MPF também requer que a Justiça obrigue o hospital a designar uma equipe básica para prestar assistência médica especializada ao transgênero. Ela deve ser composta por pediatra, psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista, cirurgião plástico, psicólogo, assistente social, clínico geral, enfermeiros e técnicos de enfermagem.
A procuradora sustenta que, diante da urgência em restabelecer os serviços, tais contratações poderiam ser feitas com dispensa de licitação, dado o caráter excepcional da situação. Isso porque a falta prolongada de atendimento especializado pode gerar graves consequências físicas e psicológicas às pessoas trans. “O desespero e a luta por existir leva, muitas vezes, os pacientes a submeterem-se a tratamentos inadequados, com risco à saúde e à própria vida”, afirma Mariane Guimarães. Caso o argumento seja acatado pela Justiça, os profissionais poderão ser contratados por meio de processo seletivo simplificado.
Dignidade – De acordo com a ação, o atendimento especializado de saúde à população transgênero é uma maneira de efetivar o direito à dignidade humana. Isso porque ele possibilita o acesso a tratamentos adequados para que essas pessoas possam se identificar fisicamente com o gênero que se reconhecem psicologicamente, trazendo conforto em um cenário marcado pela violência e marginalização.
O Brasil é o país que registra mais mortes de pessoas trans e travestis no mundo, por 14 anos consecutivos. Segundo levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 131 pessoas trans foram mortas no Brasil apenas em 2022 e outras 20 cometeram suicídio por conta da discriminação e do preconceito que sofriam.
Processo Transexualizador – Trata-se de um complexo de serviços e cuidados assistenciais oferecidos pelo SUS, direcionado à atenção de transexuais e travestis que desejem realizar mudanças físicas corporais e da função de suas características sexuais. No Brasil, o Processo Transexualizador no âmbito do SUS foi instituído pelo Ministério da Saúde em 2008, por meio das Portarias 1.707 e 457. A partir disso, diversos serviços que se inserem nesse processo puderam ser incluídos na tabela de procedimentos do SUS.
Ação Civil Pública n. 1013470-52.2024.4.01.3500 em trâmite na 9ª Vara Federal de Goiás
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