A Defensoria Pública da União (DPU) denunciou a República Federativa do Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por violar os direitos de Raquel Cantareli Sampaio e suas filhas. A denúncia surge após uma batalha judicial entre os pais pela guarda das filhas menores e uma acusação do pai, que mora na Irlanda, de sequestro internacional das crianças pela mãe.
Em 2019, Cantareli fugiu da Irlanda para o Brasil, com a ajuda das autoridades consulares brasileiras, para proteger as filhas dos abusos cometidos pelo próprio pai. Cantareli alega ter sido vítima de violência psicológica e patrimonial e ter sido mantida em cárcere privado pelo ex-marido.
Em 2023, após um longo e conturbado processo judicial, as crianças retornaram à Irlanda, onde vive o pai, por decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que reformou a sentença do juízo de primeiro grau. A forma como as crianças foram devolvidas, envolvendo escolta armada da Polícia Federal, configurou por si só uma violação dos direitos humanos das meninas e da mãe, que estão separadas desde então.
Na apresentação da denúncia à CIDH, a DPU argumenta que o Estado brasileiro teve a oportunidade de resolver as violações internamente, porém, no trâmite dos recursos em segunda instância, no TRF2, todos os argumentos em favor das crianças, como a dúvida quanto ao cometimento de abusos pelo pai, não foram levadas em conta, inclusive, a alegação de que o retorno poderia implicar separação permanente entre mães e filhas, já que Raquel é acusada criminalmente do sequestro na Irlanda e não pode retornar por sua condição migratória.
Entenda o caso
A ação de busca, apreensão e restituição das menores, que culminou com o retorno delas para a Irlanda, foi proposta em 2019 pela Advocacia-Geral da União, após pedido de cooperação jurídica internacional iniciado pelo ex-marido da vítima.
A DPU contestou a ação da AGU, solicitando a aplicação, pelo juízo, de dispositivos da Convenção de Haia que autorizam a recusa do pedido de retorno da criança a seu país de origem quando provado risco grave à integridade física ou psicológica da criança.
Em 2022, após laudo pericial apontar os riscos do retorno das menores à Irlanda, a sentença do juízo de primeira instância decidiu pela manutenção das crianças com a mãe, no Brasil. No entanto, o pai das menores e a AGU recorreram ao TRF2 e obtiveram decisão determinando o retorno das crianças à Irlanda. Essa decisão foi cumprida mesmo sem o esgotamento dos recursos, em sede liminar. Após tentativas de reverter a decisão na segunda instância, Cantareli recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, que ainda não decidiu pelo caso.
Dos pedidos
A DPU, representando Raquel Cantareli Sampaio e suas filhas, pede à CIDH que reconheça que o Brasil violou diversos direitos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como o direito à integridade pessoal, à honra, às garantias judiciais, à proteção judicial, aos direitos da criança, à proteção da família e à igualdade perante a lei.
Solicita também que a Comissão recomende ao Brasil que compense as vítimas por danos materiais e emocionais e que reverta a decisão que mandou as crianças de volta à Irlanda, agindo contra o melhor interesse delas.
Além disso, a DPU pede que o Brasil seja orientado a treinar funcionários estatais, especialmente membros do Poder Judiciário, para garantir o melhor interesse das crianças e aplicar a perspectiva de gênero em casos de subtração internacional de crianças. Outras medidas também são solicitadas para corrigir e prevenir futuras violações dos direitos humanos.
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