quarta-feira, dezembro 4, 2024
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Familiares de presos citam tensão em cadeias após veto a cigarro em MG

Na saída da visita no presídio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, em Minas Gerais (MG), Maria (nome fictício), 28, disse que seu marido está irreconhecível. Fumante desde a adolescência, ele cumpre pena há sete anos, e desde o dia 31 de agosto deixou de fumar, após decisão do governo Romeu Zema (Novo), que proibiu a entrada de cigarros nos 171 presídios do estado.

Na cela, que o marido divide com nove detentos, todos fumavam. Ela conta que eles têm sofrido de insônia, ansiedade, perda de apetite e tremedeiras. Desde setembro, três brigas aconteceram na cela, todas, segundo contou à mulher o detento, em razão do estresse causado pela abstinência de tabaco.

O governo mineiro não informa o número de fumantes entre os 71 mil presos. Em nota, a Sejusp-MG (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) disse que acompanha de perto o andamento da medida, “fornecendo apoio e orientação para os casos de abstinência, a partir da assistência prestada por profissionais de saúde e de atenção psicossocial que atuam nas unidades prisionais do estado, em consonância com o Programa Nacional de Controle do Tabagismo”.

No perfil no TikTok “Guerreiras de BH e região”, administrada por esposas e mães de presos, há um vídeo gravado em cela em agosto na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem. É possível ver fogo, enquanto um detento grita: “Quer cortar o cigarro do preso? Vai dar ruim”.

À época, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais instaurou um processo para averiguar a ocorrência e encontrou um celular em uma das celas.

No memorando que proibiu os cigarros, de julho, que deu prazo até 31 de julho aos presídios de pequeno porte e 31 de agosto aos maiores, a Sejusp argumentou que a proibição visa garantir a saúde e o “atendimento humanizado” ao preso, garantindo “um ambiente livre das toxinas contidas nos cigarros”.

O documento previa os efeitos da abstinência, entre os quais elencou “dor de cabeça, irritabilidade, agressividade, alteração do sono, dificuldade de concentração, tosse, indisposição gástrica e outros”.

Para minimizá-los, recomendou que as unidades recorressem à “rede de saúde municipal para incluir o privado de liberdade no Programa Nacional de Controle do Tabagismo”.

Foi o que fez a juíza Bárbara Nardy, da vara de execução penal de Ribeirão das Neves, onde há seis unidades prisionais e cerca de 7.500 detentos.

Nardy enviou um ofício à Secretaria de Saúde da cidade, consultando-a sobre a possibilidade de o município atender aos apenados. A pasta respondeu que, como não fora previamente informada pela Sejusp acerca da proibição dos cigarros, não licitou a compra de medicamentos, sendo “inviável para o ano de 2024 […] atender as demandas das unidades prisionais para a cessação do tabagismo”.

Também ouvida sob anonimato, Luiza (nome fictício), mãe de um detento, disse que a orientação dos carcereiros aos parentes dos presos é a de que a responsabilidade a compra dos medicamentos para o tratamento antifumo é da família.

Em um debate na semana passada na Defensoria Pública, que reuniu familiares de presos e funcionários do sistema, a psicóloga penal Sidnelly Almeida, que atende no presídio José Maria Alkmin, avaliou que a tensão nas cadeias aumentou após o veto ao cigarro.

“Não foi pensada uma política de saúde mental para lidar com a cessação do tabagismo nos presídios, que são ambientes adoecedores por si só”, disse.

Almeida afirma que, no contexto prisional, o cigarro é um “redutor de danos”, aliviando a ansiedade, e, na sua ausência, os detentos têm fumado páginas de cadernos e espuma de colchão, usando a fiação elétrica para acendê-los, já que os isqueiros também estão proibidos. Esses relatos também foram recebidos também pela Defensoria Pública.

Era comum ainda que o cigarro fosse usado como moeda de troca entre os presos. Segundo relatos à Almeida, atualmente a comida e os kits de higiene fornecidos pelos familiares substituíram o cigarro na função.

Thiago Almeida, mestre em assistência farmacêutica pela UFMG e que há 12 anos atua em tratamentos antitabaco no SUS, diz que é consenso que largar o cigarro é uma boa decisão para a saúde, mas ressaltou que “toda a terapêutica, para ter sucesso, parte da vontade da pessoa de parar de fumar”.

A Defensoria Pública entrou, em 31 de julho, com uma ação pedindo a suspensão liminar da proibição dos cigarros até que a Sejusp apresente um “diagnóstico da realidade de cada estabelecimento carcerário” e das equipes de saúde para o atendimento.

Da forma “abrupta” como foi proposta, afirmou o defensor público Leonardo Bicalho de Abreu, a proibição “com certeza eleva a tensão nos presídios do estado”. A ação foi rejeitada em 21 de agosto pela 4ª Vara da Fazenda Pública. A Defensoria entrou com recurso, que ainda não foi julgado.

Questionada, a Sejusp-MG não respondeu sobre a quantidade de cigarros apreendidos nos presídios do estado desde o veto nem sobre qual é o recurso empenhado em pessoal e equipamentos para o tratamento do tabagismo.

Folha de São Paulo

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