InícioBrasilDivórcio como medida protetiva de urgência permite recomeço a mulher vítima de...

Divórcio como medida protetiva de urgência permite recomeço a mulher vítima de violência

Nas matérias exatas, os círculos representam ciclos contínuos: têm início, meio e fim, sempre retornando ao mesmo ponto. A vida de Vitória Pereira Salomão parecia seguir esse desenho, até que ela decidiu romper o ciclo da violência. Com o apoio do Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), conquistou o divórcio como medida protetiva de urgência – uma decisão inédita no estado, que transformou sua trajetória em um novo caminho rumo ao recomeço.

Professora de matemática, Vitória exala coragem desde o olhar. Aos 38 anos, e mãe de quatro filhos, há alguns anos deparou-se com um desafio que supera todos os já enfrentados: o de encerrar um relacionamento marcado por violência doméstica, que já havia deixado feridas profundas. “Para mim era muito importante simplesmente não estar mais vinculada. Eu só queria encerrar esse laço que me prendia nessa relação que já era inexistente”, exprimiu.

O passo para a liberdade se concretizou em setembro de 2024, depois que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em recurso apresentado pelo Nudem, confirmou a competência do Juizado da Violência Doméstica e Familiar para a ação de divórcio, conforme prevê a Lei Maria da Penha. A decisão criou um precedente histórico, permitindo que mulheres em situação de violência possam pedir o divórcio diretamente nos Juizados de Violência Doméstica.

Busca por acolhimento

Vitória já possuía uma medida protetiva contra a aproximação do ex-companheiro desde 2023, que ainda sim insistia em manter contato. Foi por acaso que a assistida descobriu que poderia requerer o divórcio liminarmente pelo próprio Juizado de Violência Doméstica, que possui competência híbrida, ou seja, pode analisar tanto questões civis quanto criminais envolvendo a mulher vítima de agressão.

“Eu não queria passar por uma revitimização caso tivesse que buscar a Vara de Família. Quando eu tive acesso ao texto da Lei, percebi que ele expressava exatamente o meu sentimento. Então, eu busquei essa possibilidade no Judiciário para que o meu problema fosse resolvido”, contou Vitória. Inicialmente, a professora procurou um amigo advogado, mas foi junto ao Nudem que encontrou apoio. “Senti necessidade de um acolhimento feminino”, disse.

Em ação ao 4° Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Goiânia, o Nudem, por meio da defensora pública Tatiana Bronzato, requereu o divórcio com base no artigo 14-A da Lei Maria da Penha, que desde 2019 permite a tramitação de divórcios nesses juizados especializados. “A permanência do status do matrimônio com o ofensor lhe causa constrangimentos e abalos emocionais”, sustentou.

Apesar da objetividade da legislação, o pedido foi inicialmente negado em primeiro grau, sob argumento de que a competência seria da Vara de Família. Em recurso ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), a Defensoria reforçou que a própria Constituição garante o direito à solicitação do divórcio, e que a Lei Maria da Penha estabeleceu competência híbrida aos Juizados de Violência Doméstica para assegurar a proteção integral da mulher.

Recomeço

O Tribunal acolheu os argumentos e, em decisão unânime, reconheceu a possibilidade de decretação de divórcio liminar como medida protetiva de urgência. “Foi muito emocionante perceber que a minha luta não era só por mim, mas por todas as mulheres que precisam encerrar seus vínculos por questões de violência doméstica” enfatizou Vitória, que carrega no nome o resultado da decisão.

Do luto pela perda da família idealizada ainda na infância ao fim de um relacionamento abusivo, Vitória aprendeu a se reinventar. A docência continua sendo paixão, mas agora divide espaço com o Direito, curso que ela abraçou após vivenciar de perto o funcionamento da Justiça. E, como em sua matemática, provou que nem todo fim é encerramento: às vezes, é apenas o traço de uma nova elipse. Hoje, ela redesenha a própria história.

Série de reportagens

Durante o Agosto Lilás, mês dedicado ao enfrentamento à violência contra a mulher, a Defensoria Pública apresenta a série de reportagens que compõem a campanha Agosto Lilás: assistência que acolhe. A iniciativa tem como objetivo demonstrar os avanços alcançados pelo Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) na garantia de direitos à mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Ao longo da campanha, que também celebra os sete anos do Nudem, as vozes e histórias de assistidas ganham espaço, revelando caminhos de luta, acolhimento e transformação.

RELATED ARTICLES

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

- Advertisment -

Most Popular

Recent Comments