Poucas horas depois de ver a filha sair de casa para trabalhar, a advogada aposentada Karla Pinto recebeu uma chamada de vídeo em seu celular.
Do outro lado do vídeo, sua filha, a advogada criminalista Hanna Gomes, pedindo uma transferência via pix de R$ 600.
Três fatores fizeram a aposentada desconfiar da situação: na chamada de vídeo sua filha estava com uma blusa diferente da que havia saído de casa; a conta para a qual o dinheiro deveria ser transferido seria de uma amiga da filha e não a dela própria e, principalmente, a filha não havia chamado a mãe pelo apelido carinhoso que as duas comumente usam entre elas.
Ao notar essas situações desconexas, a aposentada decidiu checar se realmente era Hanna que aparecia no vídeo e perguntou qual era o nome do cachorro da família e do vizinho que mora em frente à casa delas. Depois disso, a chamada foi desligada.
“Eram o meu rosto, meu cabelo e a minha voz. O único detalhe é que a voz estava um pouco em descompasso com o vídeo, mas sabemos que isso pode acontecer devido à conexão com a internet. É assustador ver a evolução desse tipo de golpe”, diz Hanna à BBC News Brasil.
A advogada explica que acredita que criminosos tenham usado inteligência artificial (IA) para criar um “clone” dela e tentar aplicar golpes com sua imagem.
Esses conteúdos são produzidos em softwares que usam IA para recriar a voz de pessoas, trocar o rosto em vídeos e sincronizar movimentos labiais e expressões.
“Tenho diversos conteúdos de aulas online e vídeos nas redes sociais que facilmente podem ter sido usado pelos criminosos para criar essa deep fake. E mesmo a gente tomando alguns cuidados como salvar os contatos dos familiares pelo nome, e não como pai e mãe, não foram suficientes para driblar a ação de criminosos”, conta a advogada.
A família registrou o caso na Delegacia de Crimes Virtuais da Polícia Civil do Distrito Federal (DF), que investiga o ocorrido. Segundo a Polícia Civil do DF não estatísticas fechadas sobre esse tipo de crime usando IA.
Estelionatos por meio eletrônico cresceram no Brasil
Golpes como o que os criminosos tentaram aplicar na mãe de Hanna e que exigem transferências bancárias por aplicativos de celular ou no ambiente virtual entram na categoria do estelionato eletrônico.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 mostram que no ano passado foram registrados 200.322 casos de estelionato por meio eletrônico, número 65% maior do que o registrado em 2021, quando esse número foi de 120.470.
Os Estados com mais casos desse tipo de golpe são Santa Catarina (64.230), Minas Gerais (35.749), Distrito Federal (15.580) e Espirito Santo (15.277).
Segundo o levantamento, os Estados de Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo não disponibilizaram dados sobre esse tipo de crime até a conclusão da pesquisa.