Extra omnes. Todos fora. A última exclamação do mestre das celebrações do Vaticano, arcebispo Diego Ravelli, pedindo que saiam da Capela Sistina todas as pessoas que não têm de votar, foi o início simbólico do conclave que elegerá o sucessor do Papa Francisco, às 17h43 (menos uma hora em Lisboa) e com um protocolo que está pleno de gestos, ritos, sinais e linguagem que vêm de séculos. Incluindo o sinal dado pelo fumo, que estará a ser aguardado pela civilização digital: milhares de telemóveis e centenas de câmara de televisão de todo o mundo estarão focados na pequena chaminé, colocada no tecto da Capela Sistina, onde decorre a votação.
Na Praça de São Pedro, desde manhã que se vivia um ambiente de grande expectativa. Roma está pejada de turistas e peregrinos, obviamente não só por causa do conclave. Também há o jubileu durante todo este ano e que o Papa Francisco ainda iniciou no último Natal. No próximo fim-de-semana, por exemplo, está previsto o jubileu das bandas e dos espectáculos populares, que trará seguramente a Roma milhares de grupos desse âmbito.
Depois da missa Pro eligendo romano pontifice
(pela eleição do Papa), o ritual que dá o início do conclave teve início pontualmente às 15h30, hora portuguesa: os cardeais juntaram-se na Capela Paulina, seguindo em cortejo processional para a Sistina. Enquanto avançaram, entoaram primeiro a ladainha dos santos e, a seguir, o Veni Creator, “uma súplica particular pela assistência do Espírito Santo”, como explica o guião da cerimónia.
O cântico vem do século IX e é atribuído a Rabano Mauro, arcebispo da diocese germânica de Mogúncia (Mainz), na Alemanha. Entre versões musicadas por muitos autores, Gustav Mahler usou-o no início da sua Sinfonia nº 8. Cantado normalmente na festa de Pentecostes (sete semanas depois da Páscoa, este ano a 8 de Junho), este cântico é também usado em outras ocasiões solenes da Igreja Católica: além do início do conclave, também o início de sínodos e concílios e missas de canonização, ordenação de bispos e do dia de Ano Novo.
A partir de agora, os cardeais passarão boa parte do dia na Capela Sistina (só saem para comer e dormir na Casa de Santa Marta). Diante deles, terão o grande fresco do Juízo Final, de Miguel Ângelo, como sinal da “gravíssima tarefa que sobre eles incumbe e, ainda, sobre a necessidade de agir com a devida atenção pelo bem da Igreja universal, solum Deum prae oculis habentes”, ou seja, tendo apenas Deus em mente.
Enquanto não houver um eleito com maioria de dois terços (neste caso, 89 votos), realizam-se quatro votações por dia – duas de manhã e duas à tarde. Mas o formo e a chaminé funcionarão apenas duas vezes por dia – uma ao final da manhã, outra ao final da tarde – a não ser que o primeiro escrutínio de cada turno tenha resultado positivo.
Já com todos presentes na Capela Sistina, cada cardeal fez o seu juramento, secundando as fórmulas lidas pelo cardeal Pietro Parolin, que eram neste caso, quem presidia à cerimónia, tendo em conta a ordem das precedências – tudo no Vaticano continua a obedecer, além do ritual e do simbólico, a uma bem definida hieraquia.
A fórmula lida por Parolin garante que cada um deles se compromete a “desempenhar fielmente” o múnus de pastor da Igreja universal, sem cessar de “afirmar e defender” os direitos “espirituais e temporais, assim como a liberdade da Santa Sé”; que guardará o segredo relativo à eleição e ao escrutínio; e que não apoiará “qualquer interferência, oposição ou outra forma qualquer de intervenção, pelas quais autoridades seculares de qualquer ordem e grau, ou qualquer género de pessoas, em grupo ou individualmente, quisessem imiscuir-se na eleição” do novo Papa.
Aproximando-se um a um do livro dos Evangelhos, colocado no centro da Capela Sistina, os cardeais confirmaram o juramento pessoal. Na longa procissão de 45 minutos, os portugueses fizeram-no às 17h12 (Manuel Clemente), 17h19 (António Marto), 17h31 (Américo Aguiar) e 17h38 (Tolentino Mendonça), usando sempre a mesma fórmula, dita em latim: “E eu, (nome de baptismo em latim), cardeal (apelido), prometo, obrigo-me e juro. Assim Deus me ajude e estes santos Evangelhos que toco com a minha mão.”
Num primeiro momento, ficaram ainda na Sistina o mestre de cerimónias e o cardeal Raniero Cantalamessa, ex-pregador da Casa Pontifícia, encarregado de fazer a meditação prévia ao primeiro escrutínio. Este último, um frade franciscano capuchinho já com 90 anos, também não vota no conclave e por isso, quer ele quer Diego Ravelli abandonaram também a Sistina após o final da reflexão, ficando apenas no interior os cardeais eleitores.
Agora, até haver alguém com dois terços de votos, só os cardeais saberão o que ali se passa.
Fonte: setemargens