Antes que a memória se desvaneça na doença de Alzheimer, outra coisa desaparece silenciosamente: o lítio.
Um grande estudo, com duração de décadas, mostra que o lítio, obtido naturalmente através da alimentação, pode ser essencial para a saúde do cérebro — com sua deficiência potencialmente preparando o terreno para a neurodegeneração.
O lítio é frequentemente associado a baterias recarregáveis, mas há muito tempo é usado em estabilizadores de humor e ocorre naturalmente em alimentos.
“Este é o primeiro estudo a analisar a deficiência de lítio e a mostrar que existe lítio natural no cérebro e que ele tem um papel protetor”, disse o pesquisador sênior Dr. Bruce Yankner, professor de genética e neurologia da Harvard Medical School, ao Epoch Times.
“Ficamos surpresos com a importância do lítio — ele afetou muitos aspectos da doença de Alzheimer”.
Em um estudo recente publicado na revista Nature, a equipe de Yankner descobriu que as concentrações de lítio no córtex pré-frontal do cérebro — essencial para a memória e a tomada de decisões — caem mais da metade em pessoas com doença de Alzheimer. Esse declínio começa anos antes, durante o comprometimento cognitivo leve, que muitas vezes sinaliza o início da demência.
Com base em quase 400 amostras de cérebros humanos e modelos animais, os pesquisadores sugerem que o lítio pode agir como um micronutriente alimentar — semelhante ao zinco ou ao ferro — ajudando o cérebro a resistir ao envelhecimento e às doenças. Sua perda parece coincidir com, e possivelmente impulsionar, muitas das primeiras alterações observadas na doença de Alzheimer.
Restaurar o lítio a níveis saudáveis, disse Yankner, pode se tornar uma forma de prevenir a doença antes que os sintomas se instalem.
De quanto lítio estamos falando?
A doença de Alzheimer, que afeta mais de 55 milhões de pessoas em todo o mundo, é definida pelo acúmulo de placas amilóides e emaranhados de tau — proteínas anormais que interrompem a comunicação entre as células cerebrais. No entanto, essas alterações por si só nem sempre levam à perda de memória. Algumas pessoas com lesões amilóides e tau nunca desenvolvem sintomas, enquanto outras apresentam um declínio rápido.
Para descobrir as alterações químicas que poderiam ajudar a explicar essa diferença, a equipe de Yankner mediu 27 elementos em amostras de cérebro e sangue de idosos — alguns cognitivamente saudáveis, outros com comprometimento cognitivo leve e outros diagnosticados com doença de Alzheimer.
O lítio se destacou como o único elemento que apresentou um declínio acentuado e precoce em mulheres e homens com comprometimento cognitivo.
Em adultos saudáveis, os níveis de lítio no córtex pré-frontal estavam geralmente entre 0,5 e 10 nanogramas por grama de tecido — apenas um bilionésimo de grama. Esse intervalo indica níveis normais.
Em pessoas com comprometimento cognitivo leve, os níveis eram cerca de um terço mais baixos do que em pessoas saudáveis. Aqueles com Alzheimer apresentaram uma queda mais acentuada — quase 60% menor do que em pessoas que não tinham problemas de memória.
Notavelmente, os níveis de lítio no sangue permaneceram estáveis em todos os grupos, indicando que a deficiência afeta especificamente o cérebro.
“Essas descobertas foram tão impressionantes que não acreditamos nelas a princípio”, disse Yankner. “Validamos o resultado em vários bancos de cérebros antes de ficarmos convencidos”.
Outros metais-traço apresentaram alterações inconsistentes ou apareceram apenas em casos mais avançados da doença de Alzheimer.
A pesquisa revelou por que os níveis de lítio caem: as placas amilóides — os aglomerados de proteínas pegajosas centrais na doença de Alzheimer — se ligam diretamente ao lítio e o prendem. Como o lítio carrega uma carga positiva, ele adere às placas carregadas negativamente como um ímã, afastando-o dos neurônios e outras células cerebrais que dependem dele.
À medida que o amilóide se acumula, mais lítio fica preso nas placas, criando um ciclo vicioso: quanto mais placas, menos lítio fica disponível para proteger as células cerebrais. Isso cria o que Yanker chamou de “estado de privação de lítio”, privando os neurônios de um recurso essencial para a resiliência e a reparação.
O que acontece quando o lítio fica baixo
Em camundongos, a redução dos níveis de lítio no cérebro também resultou em sintomas semelhantes aos da doença de Alzheimer.
Em camundongos saudáveis e idosos, a equipe reduziu o lítio no cérebro em 50% por meio de uma dieta deficiente em lítio — com as mesmas calorias e nutrientes da alimentação normal, mas com os níveis de lítio reduzidos em 92%. Isso causou perda significativa de memória, aumento da inflamação cerebral e quebra das conexões sinápticas — os centros de comunicação entre os neurônios.
Em camundongos criados para serem propensos ao Alzheimer, os resultados foram ainda mais dramáticos: a deficiência de lítio acelerou o acúmulo de placas amilóides e emaranhados de tau, as duas características que definem a doença de Alzheimer.
O perfil genético mostrou ainda que as alterações desencadeadas pela perda de lítio refletiam de perto as alterações observadas no cérebro de pessoas que morreram com Alzheimer.
O mecanismo se concentra em uma enzima chamada glicogênio sintase quinase 3 beta (GSK3beta), que é controlada pelo lítio. A GSK3beta impulsiona a patologia tau e a neuroinflamação.
“Quando os níveis de lítio caem, a GSK3beta é ativada, e isso é uma má notícia para as células cerebrais”, disse Yankner. “Isso leva a mais emaranhados, mais placas e mais degeneração”.
No entanto, essa perda de lítio pode ser revertida — e, com ela, os sintomas semelhantes aos da doença de Alzheimer.
Quando os pesquisadores trataram camundongos idosos e propensos à doença de Alzheimer com doses baixas de orotato de lítio — uma forma de suplemento que não fica presa nas placas como o lítio prescrito —, eles observaram resultados promissores:
- — Ao longo de um ano, os ratos apresentaram menos placas amilóides e emaranhados de tau no cérebro
- — Memória e aprendizagem restauradas
- — Inflamação cerebral reduzida
- — Nenhum sinal de danos renais ou tireoidianos — preocupações comuns com tratamentos com altas doses de lítio
Essas melhorias parecem decorrer da capacidade do lítio de suprimir a enzima GSK3beta hiperativa, melhorar a função da microglia — as células de limpeza do cérebro — e normalizar a atividade genética envolvida na aprendizagem e na memória.
Melhorias em modelos animais nem sempre se traduzem em humanos. Muitos medicamentos para Alzheimer mostraram-se promissores em estudos pré-clínicos, mas não conseguem reproduzir os resultados em pessoas.
Um paradigma “inexplorado”
As descobertas estão alinhadas com estudos populacionais anteriores. Um estudo dinamarquês de 2017 com mais de 800.000 pessoas descobriu taxas mais baixas de demência em regiões com níveis naturalmente mais altos de lítio na água potável. O trabalho de Yankner pode explicar o motivo.
Essas descobertas “representam uma nova direção para explorar as causas subjacentes da doença de Alzheimer e apontam para um paradigma terapêutico inexplorado”, observou a Dra. Ashley Bush, neurologista da Universidade de Melbourne, em um comentário que acompanha o estudo.
O laboratório de Yankner agora está explorando se imagens cerebrais ou exames de sangue poderiam detectar a perda precoce de lítio, possibilitando cuidados preventivos muito antes do aparecimento dos sintomas.
“Assim como seu médico verifica o colesterol LDL [lipoproteína de baixa densidade] para avaliar o risco de doenças cardíacas ou a hemoglobina A1c para diabetes, um dia poderemos verificar os níveis de lítio — ou um marcador relacionado — para prever o risco de Alzheimer”, disse Yankner.
Bush observou que, embora as descobertas sugiram que o lítio pode ter muitas funções potenciais nos níveis naturalmente baixos do cérebro, seu uso para prevenir a doença de Alzheimer ainda não foi totalmente testado em humanos.
O orotato de lítio é vendido sem receita como suplemento em alguns países, incluindo os Estados Unidos; no entanto, os autores do estudo alertam contra a automedicação com qualquer composto de lítio. São necessários ensaios clínicos para testar a segurança e a eficácia em humanos para a prevenção e o tratamento da doença de Alzheimer.
Fontes naturais de lítio
Embora o lítio não tenha sido oficialmente reconhecido como um micronutriente, ele tinha a reputação de ser uma cura para tudo muito antes de ser estudado por seus efeitos na saúde do cérebro.
No final do século XIX e início do século XX, ele era promovido para tudo, desde o equilíbrio do humor até o metabolismo. Os sais de lítio eram comuns em águas minerais “curativas”, e o 7-Up original até continha citrato de lítio — até que a Food and Drug Administration (equivalente a Anvisa do Brasil) o proibiu em 1948.
Hoje, a maioria das pessoas obtém pequenas quantidades de lítio de fontes naturais — provavelmente o suficiente para apoiar a saúde cerebral em condições normais.
O teor de lítio varia de acordo com a região, dependendo da geologia local e da composição do solo, o que afeta a quantidade que acaba nos alimentos e na água potável. Áreas com terreno vulcânico ou rico em minerais — como partes da Islândia, oeste do Texas e oeste da Austrália — tendem a ter níveis naturalmente mais altos, embora as concentrações variem amplamente.
Embora as quantidades sejam mínimas — medidas em microgramas ou miligramas por dia —, elas podem ser suficientes para apoiar o envelhecimento saudável do cérebro. As fontes naturais incluem:
- — Água potável, especialmente de águas subterrâneas ou nascentes ricas em minerais
- — Vegetais como batatas, tomates e verduras folhosas
- — Grãos integrais e legumes, incluindo feijões e lentilhas
- — Chá e certas águas minerais
Por exemplo, algumas marcas de água engarrafada da Alemanha e da Itália têm traços de lítio, em torno de 0,1 a 0,2 miligramas por litro — o que poderia aumentar a ingestão diária em níveis de microdose.
Yankner está “cautelosamente otimista” de que, com mais pesquisas, o lítio em doses baixas poderia não apenas retardar, mas potencialmente reverter o declínio cognitivo precoce.
“Não estamos fazendo conversas sobre um medicamento”, acrescentou. “Estamos falando de uma substância natural”.