O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a interlocutores que a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o relógio Cartier recebido de presente por ele, em 2005, foi produzida sob medida para salvar o ex-presidente Jair Bolsonaro no inquérito das joias sauditas. Para Lula, a posição de ministros da Corte ligados a Bolsonaro se alinhou à tese da defesa do ex-presidente com o claro objetivo de criar condições para absolvê-lo.
Irritado, Lula chegou a afirmar que vai devolver o relógio porque a decisão do TCU só teve o propósito de igualar sua situação à de Bolsonaro, quando os casos são diferentes.
Com valor estimado à época em R$ 60 mil, e confeccionado em ouro branco, o Cartier Santos Dumont foi presente da própria fabricante durante visita que Lula fez a Paris, em seu primeiro mandato.
Nesta quarta-feira, 7, o TCU decidiu que o presidente pode ficar com o relógio. Embora a Corte de Contas estivesse dividida, pesou para a decisão o voto do ministro do TCU Jorge Oliveira, que foi titular da Secretaria-Geral da Presidência sob Bolsonaro e indicado por ele para o tribunal.
Oliveira argumentou que não se pode classificar os presentes recebidos no exercício da Presidência como sendo da União até que haja uma regulamentação sobre o que é “bem de natureza personalíssima”.
O voto do ministro, acompanhado por Jhonatan de Jesus, Aroldo Cedraz, Augusto Nardes e Vital do Rego, não só abre precedente para que Bolsonaro seja desobrigado a devolver as joias recebidas do governo da Arábia Saudita como dá munição para seu discurso de perseguido político. O escândalo das joias foi revelado pelo Estadão em março do ano passado.
Tribunal mudou interpretação sobre presentes de autoridades
A Advocacia-Geral da União (AGU) analisa o caso para orientar Lula. De qualquer forma, há no Palácio do Planalto o entendimento de que, à época em que ele ganhou o Cartier, não havia uma norma do TCU que obrigasse os chefes do Executivo a devolver presentes, mesmo sendo de alto valor.
Nos últimos anos, porém, as interpretações sobre o destino dos bens recebidos por presidentes da República, e quais deles seriam passíveis de incorporação ao patrimônio privado, mudaram várias vezes.
No mês passado, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro e mais 11 pessoas no caso das joias. Segundo a PF, o ex-presidente cometeu os crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
A conclusão das investigações foi enviada ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do caso.
Agentes da PF descobriram que as joias sauditas – incluindo um relógio de ouro branco da marca Rolex – começaram a ser negociadas nos Estados Unidos em 2022, último ano de mandato de Bolsonaro.
Em 2023, o TCU determinou ao ex-presidente que devolvesse as joias. O advogado Frederick Wasseff viajou então para os Estados Unidos, onde recomprou o relógio. Bolsonaro sempre negou que tivesse cometido qualquer crime.
Estadão