O episódio mais emblemático dessa crise começou quando Igor Franco, então líder do governo na Câmara, articulou as assinaturas necessárias para a criação da CEI que investiga contratos da empresa responsável pela limpeza urbana de Goiânia. A decisão contrariou diretamente orientações do Paço Municipal e gerou um racha público entre o prefeito e seu principal aliado no Legislativo.
Crise na Câmara
A ruptura entre Sandro Mabel e Igor Franco representa um marco na deterioração das relações entre Executivo e Legislativo. O conflito se intensificou quando o então líder do governo optou por apoiar a criação da CEI, mesmo recebendo orientações contrárias da Prefeitura. O prefeito não escondeu sua insatisfação com a postura do aliado.
“O Igor é uma pessoa boa e dedicada. Acho que a forma que ele agiu, principalmente neste momento, sem me falar nada, eu acho que não foi correto”, declarou Mabel durante evento no Tribunal de Contas dos Municípios.
Para o cientista político Pedro Pietrafesa, essa dinâmica pode deixar marcas duradouras na governabilidade municipal.
“O desentendimento da base e a liderança anterior pode sim deixar algumas marcas na relação da prefeitura com o poder legislativo, porque ela mostra como tudo aconteceu. Você teve a própria liderança do prefeito articulando para que ocorresse as assinaturas da comissão especial de inquérito da câmara para verificar um tema que não era de interesse do prefeito”, avalia Pietrafesa.
O especialista ressalta que o caráter público dos desentendimentos agravou a situação. As críticas foram externalizadas durante entrevistas que o prefeito concedia, muitas vezes com a presença do próprio líder de governo, criando um clima de tensão que se estendeu para diferentes veículos de comunicação.
A reação do prefeito não se limitou ao discurso. Mabel exonerou Diogo Franco, irmão de Igor, que ocupava cargo comissionado na administração municipal. A medida foi interpretada nos bastidores como uma retaliação direta, sinalizando o esgotamento da relação entre os dois políticos. Outros familiares de vereadores que assinaram a CEI também foram demitidos, ampliando o clima de confronto.
A formalização da destituição de Igor Franco da liderança do governo ocorreu na última sexta-feira, quando Mabel enviou ofício oficial à Câmara. A decisão, já esperada nos corredores do Legislativo, marca o fim de uma aliança que foi fundamental para a aprovação de projetos do Executivo no início do mandato.
Desafios para a governabilidade
A necessidade de reconstruir uma base de apoio sólida se tornou prioridade absoluta para a administração Mabel. Ainda no primeiro ano de gestão, o prefeito enfrenta o desafio de articular uma nova liderança capaz de viabilizar suas propostas no Legislativo. Nomes como Henrique Alves (MDB) e Thialu Guiotti (Avante) são cotados para assumir a função.
Pietrafesa destaca que a estratégia do prefeito deve passar pela reorganização da base e pelo estabelecimento de canais de diálogo mais efetivos com os vereadores. “A estratégia agora é o prefeito colocar uma nova liderança, uma espécie de tropa de choque que coordene os trabalhos de investigação que serão feitos, que serão convocados para prestar esclarecimentos para a comissão, as votações das tramitações, das ordens de pauta que serão votadas e deliberadas”, explica o especialista.
A crise política pode impactar diretamente a agenda legislativa da Prefeitura para os próximos anos. Projetos que dependem da aprovação da Câmara podem enfrentar resistência ou ter sua tramitação retardada, comprometendo a capacidade de entrega da gestão municipal.
O cenário se complica quando considerado que crises no início do mandato podem estabelecer padrões de relacionamento difíceis de reverter. Vereadores podem se sentir empoderados a resistir a propostas do Executivo, especialmente aquelas que possam gerar desgaste político.
A aprovação da revogação da taxa do lixo em primeira votação exemplifica essa nova dinâmica. Por 20 votos a 13, os vereadores contrariaram a posição da Prefeitura, que defendia a manutenção da Taxa de Limpeza Pública (TLP). Vereadores que historicamente apoiavam o governo mudaram de posição, evidenciando a fragilidade da base governista.
O papel da CEI
A Comissão Especial de Inquérito da Limpa GYN se tornou o epicentro das tensões políticas que abalam a gestão municipal. A investigação sobre os contratos da empresa responsável pela limpeza urbana ganhou contornos políticos que extrapolam questões técnicas, transformando-se em instrumento de pressão sobre o Executivo.
Para Pedro Pietrafesa, a forma como a CEI foi proposta e conduzida ampliou o desgaste entre Prefeitura e Câmara. “Da forma como a CEI foi proposta, da forma como foram colhidas as assinaturas, isso sugeriu um desgaste grande entre a Prefeitura e a Câmara de Vereadores”, analisa o especialista.
O impacto da comissão transcende a investigação em si, influenciando diretamente a dinâmica de votações e a tramitação de projetos de interesse do Executivo. A polarização criada em torno da CEI pode comprometer votações futuras e dificultar a aprovação de matérias prioritárias para a gestão municipal.
O prefeito tem defendido publicamente que a investigação não se justifica por tratar de contratos firmados na gestão anterior. Em entrevista, Mabel foi categórico: “Particularmente, montaram esse bloco nessa CEI, mas mesmo dentro dela nós temos vários vereadores que nos ajudam muito. Até porque o líder assinou também, foi uma coisa meio mal entendido. Eu tenho proposto para eles que não façam a CEI. Para mim não tem nada, é da administração passada”.
O discurso do prefeito busca minimizar os possíveis impactos da investigação, destacando ajustes já realizados em sua gestão. “Vamos pegar essa limpeza, eles vão atender todo mundo. Onde tiver lixo, vocês vão me ajudar a fiscalizar a cidade e botar para limpar o máximo possível. Se tiver alguma coisa errada, vamos arrumar. Nós não temos compromisso com o erro”, afirmou Mabel.
A tensão se ampliou durante a sessão da Câmara de terça-feira (26), quando vereadores da base e oposição fizeram discursos inflamados direcionados ao prefeito. O vereador Fabrício Rosa (PT), indicado para integrar a CEI, foi direto: “Estou honrado e quero dizer que estou comprometido com a cidade em agir da maneira mais transparente e honesta possível. Deste vereador, não esperem silêncio, nem tramoia ou maracutaia. O que haverá é honradez e investigação. Também haverá denúncia”.
A vereadora Aava Santiago (PSDB) em recente discurso na tribuna, rebateu acusações de que haveria chantagem por parte dos parlamentares. “Não é possível que se aceite que o prefeito possa dizer que está sendo chantageado por vereadores. Quem tá chantageando o prefeito? Porque até agora o que vi não foi um prefeito chantageado, mas sim um prefeito chantagista. Se o vereador não retira assinatura, exonera o secretário que o irmão indicou. Quem tá chantageando?”, questionou Santiago.
Em tom mais conciliador, Cabo Senna (PRD), autor do requerimento de criação da CEI, defendeu o caráter fiscalizatório da comissão. “O papel do vereador é de legislar e fiscalizar. Não estamos querendo pegar no pé do empresário que entrega emprego para a cidade. Queremos entregar uma cidade limpa porque os contribuintes estão pagando caro para isso”, afirmou o parlamentar.
O cronograma da CEI coincide com o período em que a Prefeitura precisa aprovar projetos essenciais para o fechamento do mandato. Essa sobreposição pode criar um ambiente ainda mais conflituoso, especialmente se as investigações revelarem irregularidades ou gerarem maior desgaste para a administração municipal.
O que está em jogo
O contexto de instabilidade política coloca em risco a capacidade de governar de Sandro Mabel e também suas aspirações políticas futuras. No primeiro ano de mandato, crises como essa podem definir o tom de toda a gestão e comprometer a credibilidade política do prefeito.
Segundo o cientista político Pietrafesa, o momento exige um diálogo efetivo entre Executivo e Legislativo para que a governabilidade seja restabelecida. “É importante que o prefeito se organize junto com essa recomposição da base para definir quais são as prioridades da Prefeitura para os próximos anos e para os trabalhos da base na Câmara”, afirma o especialista.
Além das declarações públicas, Mabel tem adotado uma postura de enfrentamento ao que considera pressão indevida. O prefeito “fala em público que não se importa e não tem medo da CEI, mas também que ela é desnecessária, sinalizando que desgosta da sua instalação”, segundo fontes do meio político. Mabel tem interpretado tanto o avanço da CEI quanto a discussão sobre a taxa do lixo como “pressão por cargos” de parlamentares insatisfeitos com a distribuição de espaços na administração.
“É de fato que o diálogo agora vai ser importante, mas o prefeito precisa colocar em prática junto com a sua base, a nova liderança na Câmara de Vereadores, e estabelecer uma participação dos vereadores na gestão, considerando que ainda tem mais de três anos à frente da prefeitura”, pondera Pietrafesa.
A revogação da taxa do lixo se transformou em símbolo das dificuldades enfrentadas pela gestão. O projeto, aprovado por Lucas Vergílio (MDB) com apoio de vereadores da própria base governista, representa uma derrota política significativa para o prefeito. A medida ainda precisa passar por segunda votação, mas já sinaliza as dificuldades de articulação política.
Para o especialista, superar essa crise específica demanda negociação bilateral. “Não é possível virar a página mesmo com o assunto polêmico relacionado à taxa de lixo, mas como eu mencionei, a recomposição da base vai depender muito de conversas em que os dois lados estejam dispostos a debater como esse trabalho do mandato do Mabel será feito de forma conjunta com a Câmara de Vereadores”, avalia Pietrafesa.
Cenários para o futuro
Os próximos meses serão decisivos para definir se Sandro Mabel consegue reverter o quadro de instabilidade política ou se enfrentará um final de mandato marcado por impasses e baixa capacidade de execução. As consequências dessa crise podem se estender para além dos oito meses restantes, impactando eventuais ambições políticas futuras.
Pedro Pietrafesa alerta para os riscos políticos que o prefeito enfrenta caso não consiga consolidar uma base sólida na Câmara ainda no primeiro ano de gestão. “Considerando que Mabel ainda está no início do mandato, ele pode ter várias dificuldades de implementar a agenda dele durante os próximos anos se não resolver esses problemas rapidamente”, observa o especialista.
A comparação com gestões anteriores oferece perspectiva sobre os possíveis desdobramentos da crise atual. Pietrafesa cita o exemplo de prefeitos que enfrentaram problemas similares com a Câmara e tiveram suas agendas comprometidas, resultando em baixa aprovação popular e dificuldades eleitorais posteriores.
“O prefeito não governa sozinho, ele precisa da base do governo. Será possível virar a página também relacionada ao tema da taxa de lixo, que foi um tema polêmico que envolveu litígio entre a base e a prefeitura, mas precisa que os dois lados entrem em acordo para resolver as diferenças”, destaca o especialista.
A gestão de expectativas em relação a possíveis candidaturas futuras também entra em jogo. Especulações sobre uma eventual participação de Mabel nas eleições estaduais de 2026 podem ser prejudicadas caso a crise atual não seja superada adequadamente.
“Se ele não conseguir reagrupar a base, não conseguir aprovar a agenda legislativa dele, não conseguir entregar o que prometeu, o futuro político para outros cargos eletivos poderá ser prejudicado”, adverte Pietrafesa.
O especialista ressalta que eventuais movimentações políticas prematuras podem se tornar irrelevantes caso a gestão municipal não apresente resultados concretos.
A questão da imagem pública do prefeito surge como elemento adicional de preocupação. Mabel apostou em uma comunicação baseada na resolução de problemas cotidianos da população, utilizando intensivamente as redes sociais para mostrar ações de fiscalização e intervenções diretas na cidade.
“Essa instabilidade política pode ter consequências nos próximos meses relacionadas à imagem do prefeito. Ele tentou, no início do mandato, se colocar como um prefeito dinâmico que resolve os problemas cotidianos da população através de posts que mostram trabalho em diferentes pontos da cidade”, analisa Pietrafesa.
O risco é que a instabilidade política resulte em atrasos na entrega de políticas públicas essenciais, comprometendo a narrativa de eficiência que o prefeito buscou construir. Em um ambiente de redes sociais onde as informações se propagam rapidamente, uma percepção negativa pode se consolidar em pouco tempo.
“Se a instabilidade política culminar com atrasos na entrega de políticas que já são constitucionais para a prefeitura executar, isso pode fazer que no curto prazo a imagem dele já seja corroída”, conclui o especialista.
A Redação