Governador não escondeu sua insatisfação com o texto desde o início e deve judicializar a PEC no Supremo
“Eu fui o único governador que fez um périplo pelo Brasil e mostrei o quanto a reforma tributária vai promover um prejuízo”, afirmou Ronaldo Caiado (UB) em coletiva de imprensa na semana passada no Palácio Pedro Ludovico Teixeira. Durante lançamento de programa do governo estadual que promete facilitar a atividade econômica em Goiás, o governador ainda acentuou o discurso e fez uma aposta. “Eu, sinceramente, vou dizer mais claro a vocês, nem acredito que essa reforma vai ser aprovada. Até o Maílson da Nóbrega (ex-ministro da Fazenda), que veio aqui me criticar, já voltou atrás e disse: ‘Olha, essa daí vai ser um desastre’”, disse aos jornalistas.
A fala de Caiado, no entanto, ocorreu na quinta-feira (14), um dia antes de a Câmara dos Deputados dar aprovação final à reforma tributária, que unifica cinco impostos sobre consumo e torna o Brasil um dos países que adotam o Imposto Sobre Valor Agregado, conhecido como sistema IVA. A proposta de emenda à Constituição 45/2019 (PEC) foi aprovada em primeiro turno por 371 a 121 votos. Em seguida, no segundo turno, o texto foi aprovado por 365 a 118. Alterações constitucionais precisam de pelo menos 308 votos — o que colocou a PEC em posição de vantagem. Dos 17 parlamentares goianos, 10 foram favoráveis e sete contrários.
A promulgação da reforma, prevista para esta quarta-feira (20), já agita o ânimo de diversos setores e lideranças políticas e econômicas. Pelas redes sociais, o líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), disse que a medida que simplifica os tributos promoverá ganhos para o país. “Vamos promulgar essas regras que, tenho certeza, vão impulsionar a economia e criar condições para que nosso país retome o caminho de crescimento consistente, com geração de emprego e redução da desigualdade social. Aguardada há 40 anos, a medida promove justiça tributária para cobrar mais de quem ganha muito e menos de quem ganha pouco”, destacou.
Ao jornal O Hoje, a advogada tributarista Eléia Alvim ressalta que é importante distinguir o texto que foi aprovado do texto que foi discutido. “Existia um texto base, que foi passando por alterações nas casas legislativas, com ajustes e emendas. O que vai à promulgação é esse texto alterado que, em si, não vem de muitos anos; foi solidificado mesmo em agosto. A discussão [sobre a reforma] é antiga, mas o texto [aprovado] é recente”, explica.
O governador de Goiás, que demonstrou reiteradamente de forma pública a insatisfação com relação ao texto da PEC, deve buscar, agora, a judicialização da reforma tributária no Supremo Tribunal Federal (STF), algo que ele próprio vocalizou em diversas oportunidades desde que tema começou a ser tratado como prioridade para o ano de 2023 pelo Congresso Nacional. Caiado chegou a repetir a promessa ao ser questionado pelo jornal O Hoje na coletiva de imprensa na semana passada. “Como governador de estado, eu vou recorrer ao Supremo Tribunal Federal diante daquilo que é o ponto que revoga uma cláusula pétrea da Constituição Brasileira que é a autonomia do governador, do ente federado — Goiás. Eu não posso admitir que sejamos geridos amanhã por um comitê, uma agência montada em Brasília”, declarou.
Sobre a “agência montada em Brasília”, a advogada Eléia Alvim compara a um banco a forma de gestão que o comitê deverá ter com relação aos estados. “Ao fazer a gestão da receita, o comitê funciona como um banco. Ele vai cuidar do seu dinheiro, mas não vai dizer onde você deverá aplicá-lo”, diz.
Alegando inconstitucionalidade do texto, Caiado poderá assinar petição da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) elaborada pela Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE-GO) que, com as instruções adequadas, seguirá para ser protocolada no STF. Para especialistas ouvidos pelo O Hoje, a ação do governador apresenta legitimidade e tem pertinência, mas pode encontrar dificuldades de prosperar.
O procurador federal e professor de direito constitucional Bruno Pontes afirma que Caiado tem legitimidade para apresentar a peça ao Supremo, especialmente pela diminuição da autonomia dos estados. “A reforma tributária de fato concentrou um pouco mais a competência da União porque criou um comitê gestor federal para coordenar a fiscalização do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) — que substituiu o ICMS. Além disso, não se sabe se haverá perda de arrecadação do estado ao longo do tempo”, diz.
Pontes atenta para o fato de que não houve abolição da federação e o Senado manteve uma considerável autonomia dos estados ao garantir que a fiscalização, cobrança e representação administrativa ou judicial relacionada ao tributo serão realizadas pelas administrações tributárias e procuradorias dos entes federados.
Com a reforma tributária, de acordo com o texto aprovado, estados e municípios poderão definir hipóteses para delegar ou compartilhar acerca das competências. Ficará a cargo do comitê gestor a coordenação das atividades administrativas. “O Senado também retirou a possibilidade de iniciativa de lei pelo comitê gestor e definiu que a representação do comitê será feita por integrantes das carreiras da administração tributária e das procuradorias de estados e municípios. Além disso, incluiu a possibilidade de o Congresso Nacional convocar o presidente do comitê e solicitar informações, como já acontece com ministros de Estado”, explica o professor.
O Hoje