Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, em San Diego, forneceram novos possibilidades sobre o desenvolvimento do câncer de fígado. O estudo, publicado na revista científica Nature, destaca uma relação complexa entre o metabolismo celular e o dano ao DNA que alimenta a progressão da doença hepática gordurosa. Essas descobertas abrem novos caminhos para prevenir e tratar o câncer de fígado, ao mesmo tempo em que aprofundam nossa compreensão de como o tumor se desenvolve e o impacto da dieta no DNA.
O câncer de fígado é classificado como o sexto câncer mais comumente diagnosticado e a quarta principal causa de mortes relacionadas ao câncer em todo o mundo. Nos últimos 20 anos, os casos de carcinoma hepatocelular (CHC) — o tipo mais prevalente de câncer de fígado — aumentaram de 25 a 30%.
Um fator significativo nesse aumento é o aumento da prevalência de doença hepática gordurosa, que agora afeta 25% dos adultos nos Estados Unidos, ou seja, um em cada quatro. Cerca de 20% dos indivíduos com doença hepática gordurosa desenvolvem uma forma mais grave chamada esteato-hepatite, associada à disfunção metabólica (MASH, da sigla em inglês), que aumenta significativamente o risco de CHC. Apesar disso, os mecanismos que impulsionam a progressão do MASH para o câncer de fígado permanecem pouco compreendidos.
“Ir de doença hepática gordurosa para MASH e câncer de fígado é um cenário muito comum, e as consequências podem ser mortais”, diz o professor emérito, Michael Karin, do Departamento de Farmacologia da Escola de Medicina da UC San Diego ao site especializado, Scitechdaily. E continua: “Quando você tem MASH, você acaba destruindo seu fígado e precisa de um novo fígado, ou progride para câncer de fígado frequentemente fatal, mas ainda não entendemos o que está acontecendo no nível subcelular durante esse processo.”
Danos ao DNA
Os pesquisadores usaram uma combinação de modelos de camundongos e amostras de tecido humano e bancos de dados para demonstrar que as dietas indutoras de MASH, que são ricas em gordura e açúcar, causam danos ao DNA nas células do fígado que as levam a entrar em senescência, um estado em que as células ainda estão vivas e metabolicamente ativas, mas não podem mais se dividir.
A senescência é uma resposta normal a uma variedade de estressores celulares. Em um mundo perfeito, a senescência dá ao corpo tempo para reparar danos ou eliminar as células danificadas antes que elas possam proliferar mais amplamente e se tornarem cancerosas.
No entanto, como os pesquisadores descobriram, não é isso que acontece nas células do fígado, também conhecidas como hepatócitos. Nos hepatócitos, algumas células danificadas sobrevivem a esse processo.
Essas células são, de acordo com Karin, “como bombas-relógio que podem começar a proliferar novamente a qualquer momento e, finalmente, tornar-se cancerígenas”.
“Análises genômicas abrangentes do DNA tumoral indicam que eles se originam de células hepáticas danificadas pelo MASH, enfatizando uma ligação direta entre o dano ao DNA induzido pela dieta e o desenvolvimento de câncer”, acrescenta o co-autor do estudo Ludmil Alexandrov, professor associado de medicina celular e molecular e bioengenharia na UC San Diego.
Potenciais abordagens terapêuticas e insights sobre o envelhecimento
Os resultados sugerem que o desenvolvimento de novos medicamentos para prevenir ou reverter danos ao DNA pode ser uma abordagem terapêutica promissora para prevenir o câncer de fígado, particularmente em pessoas com MASH.
Para Karin, existem algumas possibilidades de como isso pode ser aproveitado em um tratamento futuro, mas levará mais tempo e pesquisa para explorar essas ideias.
“Uma hipótese é que uma dieta rica em gordura pode levar a um desequilíbrio nas matérias-primas que nossas células usam para construir e reparar o DNA, e que poderíamos usar drogas ou nutriquímicos [compostos bioativos encontrados em alimentos, com um papel fundamental na promoção da saúde e prevenção de doenças., mas não são considerados essenciais] para corrigir esses desequilíbrios. Outra ideia é desenvolver novos antioxidantes, muito mais eficientes e específicos do que os que temos agora, e usá-los pode ajudar a bloquear ou reverter o estresse celular que causa danos ao DNA em primeiro lugar”, conclui Karin.
Além de abrir esses novos caminhos de tratamento para o câncer de fígado, o estudo também oferece uma nova visão sobre a relação entre envelhecimento e câncer.
“Sabemos que o envelhecimento aumenta o risco de praticamente todos os cânceres e que o envelhecimento está associado à senescência celular, mas isso introduz um paradoxo, já que a senescência deve proteger contra o câncer”, diz Karin. E prossegue: “Este estudo ajuda a revelar a biologia molecular subjacente que permite que as células entrem novamente no ciclo celular após a senescência, e acreditamos que mecanismos semelhantes podem estar atuando em uma ampla gama de cânceres.”
As descobertas também ajudam a quantificar diretamente os efeitos prejudiciais da má alimentação no metabolismo celular que, de acordo com Karin, poderia ser usado para ajudar a orientar as mensagens de saúde pública relacionadas à doença hepática gordurosa.
“Uma dieta pobre de fast-food pode ser tão perigosa quanto fumar cigarros a longo prazo”, disse Karin. “As pessoas precisam entender que dietas ruins fazem muito mais do que apenas alterar a aparência cosmética de uma pessoa. Eles podem mudar fundamentalmente a forma como nossas células funcionam, até o DNA.
Fonte: O Globo