Depois do terror, a euforia. Quando, em 9 de abril, o presidente Donald Trump adiou por 90 dias a mais ilógica e destrutiva de suas tarifas, depois de um colapso nos mercados financeiros, o índice S&P 500, da Bolsa de Nova York, subiu 9,5%, sua maior alta diária em quase 17 anos. Os cenários mais sombrios para a economia mundial que haviam sido previstos pelos investidores até aquele momento agora são improváveis.
Parece que há um limite para as quedas do mercado que o presidente tolerará em seu mandato. Depois do caos que se seguiu ao anúncio de tarifas “recíprocas” feito por Trump uma semana antes, essa fonte de conforto para o mundo que não é pequena.
Mas não confunda o consolo de ter evitado um desastre com boa sorte. A escala do choque no comércio global provocado por Trump ainda é, mesmo agora, diferente de tudo o que se viu na história. Ele substituiu as relações comerciais estáveis que os Estados Unidos passaram mais de meio século construindo por uma formulação de políticas caprichosa e arbitrária, na qual as decisões são publicadas nas mídias sociais e nem mesmo seus assessores sabem o que virá em seguida. E ele ainda está em um extraordinário confronto comercial com a China, a segunda maior economia do mundo.
No entanto, mesmo após a pausa nas tarifas, os rendimentos dos títulos do Tesouro continuam elevados. As ações globais estão 11% abaixo de seus máximos em fevereiro – e com razão. Trump ainda aumentou a taxa média de tarifas dos Estados Unidos para mais de 25% desde janeiro, com a promessa de mais impostos, inclusive sobre as importações de produtos farmacêuticos.
Os assessores do presidente demonstram uma despreocupação de cair o queixo com relação aos danos que as tarifas podem causar à economia. Em sua opinião, os estrangeiros pagam a conta das tarifas e as quedas do mercado prejudicam apenas os investidores ricos.
Um golpe semelhante será desferido nos gastos das empresas. Mais do que o nível exato das tarifas, elas anseiam pela certeza de que as regras do comércio global permanecerão estáveis, para que possam planejar seus investimentos de longo prazo. Por exemplo, embora a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 tenha levado a uma explosão do comércio, ela não envolveu barreiras comerciais substancialmente menores com os Estados Unidos.
Em vez disso, as empresas ganharam a confiança de que não haveria uma guerra comercial, um efeito que os economistas estimaram mais tarde como valendo uma redução impressionante de 13 pontos porcentuais nas tarifas.
O presidente Trump agora reverteu esse efeito de confiança, tanto para os Estados Unidos quanto para seus parceiros comerciais – especialmente porque suas tarifas desconsideram os acordos comerciais anteriores dos Estados Unidos, inclusive os que ele mesmo assinou em seu primeiro mandato. Ainda não está claro o que Trump realmente quer alcançar em seu período de espera de 90 dias: seus objetivos aparentes de extrair concessões de outras nações e de redirecionar os empregos de manufatura se contradizem.
Se as tarifas forem reduzidas, o reshoring (mudança das fábricas) não ocorrerá. No entanto, se os parceiros comerciais suspeitarem que ele está comprometido com o protecionismo, por que eles ofereceriam concessões? E, mesmo que todas as tarifas sejam reduzidas, a lembrança do “Dia da Libertação” permanecerá na mente de qualquer empresa que esteja construindo uma cadeia de suprimentos.
De qualquer forma, Trump continua em um impasse aberto com a China, do qual pode ser difícil recuar. Quando publicamos este artigo, a nova tarifa dos Estados Unidos sobre as importações chinesas havia chegado a 125% (depois, a Casa Branca informou que, na verdade, era 145%); as taxas da China, em retaliação, chegaram a 84%. Essas tarifas são altas o suficiente para devastar o comércio de mercadorias entre as duas maiores economias do mundo, que até agora estavam profundamente interligadas, mesmo com o aumento das tensões entre as superpotências.
Trump diz que “a China quer fazer um acordo”. Mas, assim como acontece com os aliados dos Estados Unidos, somente ele sabe o que seria esse acordo. Por mais de uma década, não faltaram reclamações ocidentais contra a abordagem comercial da China. O país há muito tempo viola, pelo menos, o espírito da OMC.
Seu modelo de capitalismo de Estado, no qual seus exportadores são apoiados por um sistema opaco de subsídios e financiamento apoiado pelo Estado, pode ser difícil de conciliar com uma ordem transparente e baseada em regras. E os excedentes de manufatura da China têm sido tão grandes em parte porque seu próprio consumo é muito baixo.
Nada disso torna os Estados Unidos mais pobres em termos agregados, mas significa que o comércio com a China não é visto como justo – especialmente pelos trabalhadores que foram deslocados por ele.
Confronto de superpotências
No entanto, uma guerra tarifária destrutiva e imprevisível nunca foi a maneira correta de abordar esses problemas (que, de qualquer forma, estavam prontos para melhorar à medida que a China estimulasse sua economia). As tarifas de ambos os lados estão causando profundos danos econômicos; elas também podem aumentar o risco de um confronto militar.
Um caminho mais promissor para os Estados Unidos era reunir seus aliados em um bloco de livre-comércio grande o suficiente para forçar a China a mudar suas práticas comerciais como preço de admissão. Essa era a estratégia por trás da Parceria Transpacífico, um acordo comercial que Trump descartou em seu primeiro mandato.
Scott Bessent, o secretário do Tesouro, fala em fazer um acordo comercial com aliados e abordar a China “como um grupo”. Mas agora que intimidou seus aliados e renegou seus acordos anteriores, os Estados Unidos descobrirão que eles estão menos dispostos a cooperar.
Essa é a falta de visão da agenda imprudente de Trump. Em apenas dez dias, o presidente acabou com as antigas certezas que sustentavam a economia mundial, substituindo-as por níveis extraordinários de volatilidade e confusão. Parte do caos pode ter diminuído por enquanto. Mas levará muito tempo para reconstruir o que foi perdido.
Estadão