quinta-feira, outubro 3, 2024
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Como mudança no X fez rede de Musk voltar a funcionar no Brasil

O retorno da rede social X (antigo Twitter) em cidades como São Paulo e Belo Horizonte desde as primeiras horas desta quarta-feira (19/9) chamou a atenção de usuários e autoridades brasileiras.

Isto porque o retorno desafia uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que desde o dia 31 de agosto suspendeu o funcionamento da rede social do bilionário Elon Musk no Brasil.

A volta do X, portanto, é o mais novo episódio do embate entre Musk, considerado o homem mais rico do mundo, e Alexandre de Moraes.

O retorno do X, ainda que parcial, lançou luz sobre uma pergunta: como a rede conseguiu burlar o bloqueio imposto pela justiça brasileira e voltar a funcionar no Brasil?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o retorno da rede só foi possível graças a uma mudança técnica que teria “driblado” os bloqueios impostos pelos provedores de telefonia e internet do Brasil.

Segundo eles, o X passou a hospedar o seu conteúdo em uma rede conhecida como Cloudflare, uma das mais abrangentes do mundo. Ao fazer isso, o bloqueio anteriormente feito pelas operadoras brasileiras passou a não surtir mais efeito.

Os especialistas ouvidos pela se dividem quanto ao objetivo da mudança. Para um deles, seria temerário afirmar que a mudança adotada pelo X teria como objetivo principal dar um “drible” na determinação de Moraes.

Para outro, haveria evidências de que a manobra feita pelo X teria como objetivo específico burlar a ordem do STF.

Os dois, porém, afirmam que a mudança feita pela rede criou uma dificuldade a mais para o STF e para as operadoras bloquearem o acesso ao X.

Isto porque, segundo eles, para bloquear o X, agora, seria preciso bloquear o acesso à nova rede em que ele está hospedado. O problema é que isso poderia causar um “apagão” em sites populares no Brasil.

Bloqueios e ‘caminhões’ de placas trocadas’

O diretor de tecnologia da empresa Sage Networks, Thiago Ayub, explicou à BBC News Brasil como se deu a mudança que permitiu o retorno do acesso ao X ao país.

Ele disse que, anteriormente, o X hospedava os seus serviços em seus próprios provedores.

Agora, ele disse, o X passou a utilizar uma rede terceirizada, a Cloudflare, uma das principais empresas do setor de hospedagem de conteúdo e cibersegurança.

O especialista disse que, quando o STF determinou o bloqueio do X no Brasil, as operadoras e provedoras de internet do Brasil acataram a ordem negando o acesso aos endereços IPs dos provedores do X no país.

Agora, no entanto, o conteúdo encontra-se em outro endereço e fora, portanto, da lista de endereços bloqueados anteriormente.

Ayub compara os provedores a empresas de logísticas que, para fazer uma entrega, precisam usar caminhões.

Segundo ele, é como se em vez de usar caminhões com placas vedadas pelo bloqueio do STF, o X estivesse usando os “caminhões” da uma empresa diferente com placas que não estavam na lista usada pelas operadoras até então.

Como as placas são distintas, o bloqueio não funciona.

“Cada conexão de internet possui um número de identificação chamado endereço IP. Ele é parecido com uma placa de carro. Esse novo servidor, como usa outra estrutura, é como se fosse um outro caminhão com outra placa e por isso não faziam parte da lista de bloqueio inicial”, disse.

Risco de apagão?

Para Ayub, a medida adotada pelo X criou um problema adicional ao STF, à Anatel e às operadoras e provedoras de internet no Brasil.

Isto acontece porque, segundo ele, para tirar o X do ar novamente, seria necessário, em princípio, bloquear o acesso à rede Cloudflare. Isso, disse Ayub, poderia prejudicar uma série de outros serviços.

“A situação é bastante complicada. Bloquear os servidores da Cloudlflare seria, por tabela, bloquear todos os clientes que utilizam os mesmos serviços. Várias empresas importantes do exterior e do Brasil têm sites hospedados indiretamente pela mesma infraestrutura. Isso poderia resultar num apagão de diversos sites populares no Brasil”, disse.

Ayub afirmou que as operadoras e provedoras de internet do país ainda não se decidiram sobre o que farão agora.

David Nemer disse avaliar o dilema de forma parecida.

“As operadoras podem bloquear a Cloudflare, mas vai bloquear a plataforma toda, afetando sites e serviços que não têm nada a ver com o X”, disse.

Segundo Nemer, a única alternativa técnica para que o X fosse novamente bloqueado no Brasil seria a própria Cloudflare fazer este bloqueio. O problema, segundo Nemer, é que a empresa também não teria um representante no Brasil.

Intencional ou não?

Para Ayub, ainda não haveria evidências para atribuir a mudança à uma tentativa deliberada do X de burlar a proibição imposta pelo STF.

“Seria ousado deduzir que a intenção fosse burlar a decisão judicial, mas na prática, é isso que acaba acontecendo. A gente só poderia cravar que a intenção tinha um dolo se a empresa se manifestar. Mas o timing surpreende muito porque essa mudança acontece após a proibição”, disse.

O especialista em antropologia da tecnologia e professor da Universidade da Virginia, David Nemer, disse à BBC News Brasil que haveria indícios de que a manobra teve como objetivo desrespeitar a ordem de Moraes.

Nemer disse que, ao checar os endereços dos servidores usados pelo X ao redor do mundo, verificou que apenas o acesso do Brasil estaria sendo feito por meio da Cloudflare.

Segundo ele, em todos os outros países, o acesso estaria sendo feito por meio dos servidores próprios do X.

“O Musk fez essa alteração no Brasil. Somente no Brasil, a entrega do conteúdo do X está sendo feita pelo servidor da Cloudflare”, disse à BBC News Brasil.

A disputa

A disputa legal entre o STF e a rede de Musk culminou na suspensão da plataforma no Brasil no fim de agosto.

A decisão foi tomada após a empresa não atender a uma série de ordens judiciais, que incluíam a nomeação de um representante legal no país e a remoção de perfis e conteúdos específicos.

Enquanto o STF insiste no cumprimento das determinações, Musk tem se recusado a obedecer, acusando o Judiciário brasileiro de ameaçar a democracia.

O bilionário defende que suas ações fazem parte de uma luta pela liberdade de expressão.

No entanto, o ministro Alexandre de Moraes, responsável pela decisão, rebate afirmando que Musk confunde liberdade de expressão com o direito de praticar agressões verbais.

Até o momento, o X continua sem designar um representante legal para atuar no Brasil.

A BBC News Brasil enviou perguntas ao X, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao STF sobre o retorno do funcionamento do X no país.

O X não respondeu.

O STF disse, por e-mail, que não tem informações para dar sobre o caso.

Em nota, a Anatel não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem, mas disse que “mantém a fiscalização a respeito da ordem de bloqueio” feita pelo STF e que o “resultado desse acompanhamento é reportado diretamente” à Corte.

BBC

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