O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai questionar ao TCU (Tribunal de Contas da União) se a eventual escolha por um bloqueio menor no Orçamento de 2024 em um cenário de frustração grande de receitas pode gerar punição aos gestores responsáveis pelo ato.
Esse será o teor da consulta sobre como proceder diante do dispositivo incluído na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 que, para garantir a expansão real mínima de 0,6% nas despesas prevista no arcabouço, impede um contingenciamento maior.
A inserção do trecho na LDO foi articulada pelo governo para tentar gerar respaldo legal à blindagem de recursos durante o ano, após o ministro Fernando Haddad (Fazenda) prometer a Lula a preservação de investimentos públicos.
O Executivo precisa da resposta do TCU para ter segurança jurídica do que fazer quando as reavaliações de receitas e despesas apontarem a provável necessidade de contingenciar gastos de forma a cumprir o objetivo de zerar o déficit em 2024. O dispositivo da LDO limitaria o bloqueio a R$ 23 bilhões, segundo estimativas da Fazenda, enquanto economistas já chegaram a prever a necessidade de mais de R$ 50 bilhões.
Embora a intenção do governo seja resguardar os técnicos que assinam os documentos, obter o posicionamento da corte de contas também deve ser determinante para o debate em torno da flexibilização da meta fiscal, que segue vivo dentro do governo.
Se a orientação do TCU for desfavorável ao Executivo, no sentido de que é necessário bloquear um valor maior, a avaliação de uma ala do governo é de que isso tende a antecipar a rediscussão do alvo da política fiscal neste ano.
Por outro lado, como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo tem na MP (medida provisória) da reoneração da folha de pagamento de empresas uma espécie de “âncora fiscal” para diminuir o risco de contingenciamento no mês de março, quando é feita a primeira reavaliação do Orçamento. Assim, inicialmente não seria necessário recorrer ao dispositivo da LDO para reduzir o bloqueio, e a flexibilização da meta poderia ser adiada para maio.
A consulta do governo ao TCU parte da premissa de que o mecanismo aprovado pelo Congresso é constitucional, pois blinda parte das despesas do alcance do contingenciamento algo permitido pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), na interpretação do governo.
Há, no entanto, o reconhecimento da existência de um conflito entre normas. Enquanto a LDO diz que o bloqueio pode ser menor, a Lei n.º 10.028, de 2000, diz que configura infração administrativa contra a lei de finanças públicas “deixar de expedir ato determinando limitação de empenho e movimentação financeira, nos casos e condições estabelecidos em lei”.
Segundo um interlocutor do governo, a consulta pede ao TCU uma interpretação do que fazer diante de duas regras que têm a mesma força dentro da hierarquia da legislação brasileira: uma que obriga a contingenciar e outra que limita o bloqueio.
O documento não deve discutir a constitucionalidade do artigo da LDO, mas sim se o agente público que assina os atos pode ser responsabilizado por cumprir a nova lei.
A preocupação de resguardar os técnicos existe porque eventual infração administrativa é passível de punição pelo TCU, com cobrança de multa.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira (22), Haddad destacou que não cabe à corte de contas discutir a validade da lei atribuição do STF (Supremo Tribunal Federal). Entre ministros do tribunal, a posição é outra: o TCU não declara a inconstitucionalidade, mas pode rejeitar as contas do Tesouro, da Fazenda e do presidente da República.
Embora a declaração de Haddad tenha gerado ruído nos bastidores, o governo se fia nesse ponto para apostar que o TCU tem poder para interpretar a LDO, mas não afastá-la.
Segundo interlocutores do governo ouvidos pela Folha de S.Paulo, está descartada a tese usada inicialmente pelo Ministério da Fazenda, de que o crescimento real da despesa em ao menos 0,6%, como previsto no novo arcabouço fiscal, impõe um mínimo livre de contingenciamento.
O argumento jurídico da consulta não deve ser o arcabouço, uma vez que esse caminho já foi rejeitado pela área jurídica da Casa Civil e do Ministério do Planejamento, além do próprio TCU em conversas informais.
Por isso o governo passou a usar a estratégia do artigo da LDO que produz efeito semelhante, mas por um caminho legal distinto. Ele cria, com base na LRF, uma ressalva ao contingenciamento, em montante necessário para garantir a execução de um gasto pelo menos 0,6% maior do que no ano anterior, já descontada a inflação.
A expectativa do governo é encaminhar a consulta ao TCU nos próximos dias. Quando formalizada, o ministro Jhonathan de Jesus será o relator, uma vez que ele já é responsável por outro processo sobre o mesmo tema, aberto a pedido do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ).
FOLHA DE SÃO PAULO