quinta-feira, dezembro 5, 2024
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Magistrados e advogados inovam e usam versos, poemas e citações literárias em sentenças, decisões e petições

Quase sempre textos de sentenças, decisões judiciais e petições de advogados seguem a mesma estrutura, com termos próprios da linguagem jurídica. Porém, magistrados e causídicos têm inovado com o uso de versos, poemas e citações literárias. Na última semana, por exemplo, o juiz do trabalho Marcelo Paes de Menezes, da Vara de Muriaé (MG), citou trechos de Gabriel García Marquez, Martin Luther King, Guimarães Rosa e Legião Urbana em uma sentença que condenou uma empresa a pagar indenização por danos morais a um ex-empregado, no valor de R$ 50 mil.

No caso, o trabalhador foi vítima de discriminação no ambiente de trabalho por ser homossexual. Na avaliação do juiz, a situação apurada demonstra “falta de acolhimento” e, do ponto de vista humanitário, “falta de amor ao próximo”.  Em referência a trecho da música “Pais e Filhos, da banda Legião Urbana, o magistrado ressaltou: É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. 

Ao fazer referência à obra “Grandes Sertões: Veredas”, o magistrado ressaltou: “Em casos tais, se não houvesse nenhuma lei no mundo para permitir o enfrentamento da discriminação, o juiz deveria buscar inspiração nas palavras que o grande Guimarães Rosa colocou na boca do jagunço Riobaldo. ‘A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem’.

Segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3), o magistrado citou as obras com o objetivo de fazer um paralelo entre os valores de igualdade e amor ao próximo, extraídos dos trechos citados, e a situação de desamor, injustiça e vivenciada pelo trabalhador. (Com informações do TRT3)

(Leia aqui todos os trechos da sentença)

Sentenças em versos

Em Goiás, o juiz Liciomar Fernandes da Silva já proferiu, mais de uma vez, sentenças e decisões em forma de versos. Em uma das ocasiões, em estrofes com palavras rimadas, o magistrado negou o pedido de reconhecimento de união estável com partilha de bens feito por uma mulher contra seu ex-companheiro. A decisão foi dada depois de “tudo contado, historiado, relatado e escrito”, conforme disse o próprio juiz.

O magistrado relatou o caso e fundamentou a decisão em formato poético. Ao iniciar o pedido formulado pela mulher disse que “a requerente em muitas palavras fez constar que com o requerido em união estável por mais de três anos se pôs a morar e nenhum filho em comum conseguiram frutificar”. Em outro trecho, diz que “a requerente afirma que o relacionamento do casal começou a esfriar quando, após recorrentes agressões físicas, o seu companheiro passou a lhe perpetrar e conta que, com muito pesar, no mês de dezembro de dois mil e dezessete tudo veio a se acabar.”

Em outra decisão, Liciomar utilizou a mesma metodologia para autorizar a exumação e traslado dos restos mortais de sete missionários redentoristas para a Capela Mortuária situada na Igreja Santíssimo Redentor (Igreja do Padre Pelágio). Os corpos dos religiosos foram sepultados no cemitério Municipal de Trindade.

O pedido foi feito pela Congregação do Santíssimo Redentor de Goiás. Ao explicar a solicitação, o magistrado disse que “uma só coisa a requerente vem objetivar que é a exumação dos cadáveres e a transferência dos restos mortais dos padres para uma capela mortuária e singular, que nesta cidade uma história se fez contar e no coração de cada religioso uma fé se fez manifestar”.

Sensibilidade

Em estrofes com palavras rimadas e mostrando sensibilidade, Liciomar, em ação negatória de paternidade, reconheceu paternidade socioafetiva e biológica concomitante e determinou que conste na certidão de nascimento da criança o nome de dois pais.

Ao contar a história do pai socioafetivo, o magistrado disse que “no processo, um relatório veio a se encartar, no qual acabou por constar a história de que o autor sempre foi bom pai para a requerida veio a se confirmar”. E, sobre o desejo de ser ai socioafetivo: “ao comparecer em audiência para tudo contar, acabou por dizer o que ninguém esperava: que considera a requerida como sua filha e a ação não quer mais continuar”.

Ternura e poesia

Normalmente, as petições encaminhadas à Justiça por advogados são compostas de termos jurídicos e obedecendo requisitos específicos. Afinal, é por meio dessa peça processual que são apresentados os pedidos a magistrados. Mas a advogada Andreia Bacellar, do escritório Araújo & Bacellar Advogados Associados, também decidiu inovar e, como ela mesma diz, levar um pouco de ternura e poesia ao Judiciário.

Em uma petição interlocutória, em que pedia mais prazo para obter informações sobre um veículo, a advogada fez o pedido ao magistrado em forma de versos. “Nesse momento recorro à poesia, para amenizar o desalento, desapontamento da causídica desta ação. Pois de todo coração, diante da nova certidão, não há muito o que fazer, a não ser… Requerer com toda reverência. A sabedoria da Vossa Excelência. O alongamento do prazo desta ação. Tenha condição de apresentar o paradeiro do veículo em questão”, disse.

Em outra ocasião, a advogada goiana usou o trecho de uma poesia, de autor desconhecido, em recurso de apelação ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). Com o reforço dos versos, ela conseguiu a reforma de sentença que havia negado adoção por estrangeiro de pessoa maior e capaz.

“Ser pai é algo maravilhoso, mas ser pai adotivo é como ser herói sem capa. É escolher amar alguém pelo simples fato de amar, sem nenhum ego e necessidade de ser ver reproduzido em alguém. É ter a vontade de passar o bem adiante para um outro alguém, não importa sua origem. E Deus foi tão sábio que criou o amor! E o amor é tão sábio que independe de laços sanguíneos!”

ROTA JURÍDICA

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