A percepção de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pode demorar mais para cortar os juros nos Estados Unidos e o novo aumento da tensão fiscal no Brasil, deflagrado pela mudança das metas de resultado primário, já fazem o mercado vislumbrar uma chance crescente de o Banco Central ser forçado a encerrar o ciclo de afrouxamento monetário com uma taxa Selic de dois dígitos, provavelmente em 10%.
Embora não seja majoritária, essa projeção já aparece nos cenários do Citi, da XP Investimentos e do JPMorgan. A A.C. Pastore & Associados aumentou recentemente a estimativa de 9,25% para 10%, passando a considerar no cenário três cortes de 0,25 ponto porcentual – incluindo a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em maio. O consenso do mercado está em 9,5% nas pesquisas Focus e do Projeções Broadcast.
O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC e consultor da A.C. Pastore, diz que a combinação de economia forte, incerteza fiscal e valorização do dólar restringiu o espaço de redução dos juros. Ele elevou a projeção de expansão da economia este ano, de 1,8% para 2,3%.
“Trabalhamos com um crescimento do PIB superior a 2% este ano, que é maior do que o potencial e significa um fechamento adicional do hiato do produto”, afirma ele. “Também temos um fiscal complicado e com sinalização de que a trajetória de resultados primários vai ser pior daqui para a frente.”
Na ata da reunião de novembro, o Comitê de Política Monetária já havia subido o tom em relação à importância das metas fiscais, lembra Schwartsman. Em um trecho do documento, o colegiado reconheceu um aumento da incerteza em relação a esses alvos, com consequente elevação do prêmio de risco.
A essas pressões internas soma-se o cenário internacional. Nas últimas duas semanas, após a divulgação da inflação ao consumidor americano de março, houve uma forte reprecificação das apostas do mercado na trajetória dos juros do País, que chegaram a indicar até seis cortes este ano – e, agora, sugerem algo entre um e dois, se houver. O dólar subiu quase 2% e se consolidou acima da marca de R$ 5, sinalizando pressão na inflação doméstica.
“No último semestre do ano passado houve um cenário mais benigno que abria espaço para uma queda de juros maior, mas ele foi revertido”, afirma o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale. A corretora elevou a projeção de taxa Selic no fim do ciclo, de 9% para 10%.
Megale afirma que, no ambiente externo, os preços das commodities voltaram a subir, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) passou a sinalizar que não vai cortar os juros no curto prazo e as moedas emergentes desvalorizaram. Tudo isso pode obrigar o Brasil, que já tem seus próprios problemas internos, a pisar no freio.
Com o mercado de trabalho aquecido e inflação caindo lentamente, a expectativa era de que o Fed fizesse entre seis e sete cortes, com o primeiro deles em março. Agora é de apenas um ou dois cortes, com o primeiro não antes de setembro. Havia grande expectativa de que a redução nos juros americanos começasse a liberar um volume de US$ 6 trilhões, alocados em títulos de curto prazo nos Estados Unidos, em direção a novos mercados, como os emergentes.
“A recente firmeza da inflação manterá os juros elevados por mais tempo”, diz o economista-chefe da Oxford Economics para os EUA, Ryan Sweet. Em linha com a maioria do mercado, a consultoria mudou recentemente a sua expectativa de um primeiro corte de juros nos EUA, de junho para setembro.
Diante desse cenário, na semana passada, o BC brasileiro deu recados que levam parte do mercado a acreditar que o ritmo pode diminuir pela metade na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nos dias 7 e 8 de maio.
Por aqui, a demanda mais aquecida do que o esperado sugere uma inflação mais alta no curto prazo e o viés expansionista da política fiscal está se confirmando.
“As despesas públicas seguem crescendo. Outros programas continuam e a cada dia vemos um novo programa de incentivo à economia sendo lançado”, afirma Caio Megale. Segundo ele, não houve uma arrecadação forte o suficiente para equilibrar as contas públicas no primeiro trimestre, o que torna o cenário fiscal ainda mais incerto.
A XP elevou as projeções para o PIB – de 2% para 2,2% – e para a inflação de 2024 – de 3,5% para 3,7%. A casa, no entanto, manteve a estimativa para a inflação de 2025, de 4%. “O ajuste na projeção da taxa de juros foi o necessário para manter o mesmo cenário de inflação”, explica Megale.
Contraponto
Para o economista-chefe da Ágora Investimentos, Dalton Gardimam, uma Selic de dois dígitos no fim do ciclo é possível, mas não provável. Ele aumentou recentemente a projeção para os juros terminais de 9,5% para 9,75%, e avalia que a tensão das últimas semanas tende a arrefecer. “Não acho que lembra as grandes crises do passado”, afirma ele.
A mudança na meta de resultado primário de 2025 detonou um processo de desancoragem de expectativas que desencadeou um overshooting (reação exagerada) no mercado acerca do impacto sobre a inflação, diz o analista. Mas ele salienta que, embora a alteração seja grave, as regras de contenção de despesas do arcabouço fiscal ainda valem. “Não me parece ainda que o governo foi para o tudo ou nada”, diz ele. Estadão / COLABOROU ALINE BRONZATI