Em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa de Jair Bolsonaro afirmou que não havia razões para o ex-presidente buscar asilo na embaixada da Hungria e que não temia ser preso, e manteve a explicação de que ele passou duas noites no local devido a sua agenda política.
O documento entregue nesta quarta-feira por meio eletrônico responde a uma exigência do ministro Alexandre de Moraes, que havia dado prazo de 48 horas, na segunda-feira, para Bolsonaro se explicar ao Supremo sobre a estadia na embaixada da Hungria, após o jornal New York Times revelar, com base em imagens de câmeras de segurança e de satélite, que o ex-presidente ficou de 12 a 14 de fevereiro na representação diplomática do país europeu.
No documento, os advogados alegam que o presidente havia sido alvo dias antes de medidas cautelares, incluindo a retenção de passaporte e a proibição de se ausentar do país, o que indicaria que a decretação de prisão não era iminente.
“Portanto, diante da ausência de preocupação com a prisão preventiva, é ilógico sugerir que a visita do peticionário à embaixada de um país estrangeiro fosse um pedido de asilo ou uma tentativa de fuga. A própria imposição das recentes medidas cautelares tornava essa suposição altamente improvável e infundada”, diz o texto assinado pelos advogados.
A defesa alega ainda que Bolsonaro respondeu a todas as convocações da Justiça, tem endereço fixo, agenda pública e não se ausentou do Brasil sem comunicar ou pedir autorização. Como exemplo, cita a viagem para a posse do presidente argentino Javier Milei, e o pedido de autorização — ainda não respondido — para que aceite o convite para do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para que visite o país.
“O respeito e a crença pelo Estado Democrático e de Direito é pujante no peito do peticionário que, em que pesem as perseguições, segue acreditando na Justiça e consequentemente, ao menos por ora, não tem qualquer razão para fazer qualquer movimento no sentido de dar a indevida sensação de desconfiança ou falta de respeito a ela”, completa o texto.
De acordo com o STF, a resposta da defesa de Bolsonaro foi enviada à Procuradoria-Geral da República para que seja dado um parecer, em um prazo de cinco dias. Só então Moraes deve se manifestar ou não sobre a possibilidade de prisão preventiva por tentativa de evitar o cumprimento de medida judicial.
O episódio vem sendo tratado como uma tentativa de Bolsonaro de pedido de asilo ao país europeu, que tem à frente Viktor Orbán, primeiro-ministro de extrema-direita aliado do ex-presidente, com quem já trocou elogios públicos.
Caso Bolsonaro estivesse na embaixada húngara e a Justiça determinasse sua prisão, agentes da PF não poderiam entrar na representação diplomática da Hungria para prendê-lo, pois o local é protegido pela legislação e está fora da jurisdição das autoridades brasileiras.
Segundo uma fonte com conhecimento da investigação, a Polícia Federal está produzindo um relatório sobre o caso para enviar ao STF.
Após a revelação da estadia de Bolsonaro na embaixada húngara, o Ministério das Relações Exteriores convocou o embaixador da Hungria no Brasil, Miklós Halmai, para prestar esclarecimentos sobre o episódio.
A embaixada da Hungria em Brasília não respondeu a um pedido de comentário da Reuters.
Gilmar opina sobre Bolsonaro antes de STF julgar casos e abre debate sobre imparcialidade
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), tem feito uma série de críticas relacionadas a casos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
As falas antecedem a chegada dos processos contra Bolsonaro e sobre golpismo à pauta de julgamentos da corte e levantam questionamentos já feitos anteriormente sobre possível prejulgamento e quebra da imparcialidade.
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional veda aos magistrados “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”.
Apesar disso, é improvável que Gilmar seja afastado do caso ou mesmo sofra qualquer sanção, avaliam especialistas, seja porque o STF jamais aceitou um pedido de impedimento ou suspeição de ministros, seja porque os casos mencionados pelo ministros estão ainda na fase de inquérito –o das milícias digitais.
O próprio Gilmar já teve a imparcialidade questionada no debate público ou em juízo por emitir opiniões antes do julgamento em outros casos, como o da nomeação do atual presidente Lula (PT) para ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff (PT) e na Lava Jato. Nunca chegou a ser afastado de um julgamento em razão disso.
Em relação a Bolsonaro, o ministro afirmou em evento no dia 19 que houve um salto “de especulações para provas” ao comentar investigações que levaram a Polícia Federal a indiciar o ex-presidente no caso que apura a falsificação de certificados de vacinas de Covid-19.
“Em se tratando das investigações gerais, e eu como um observador da cena já há muito tempo, raramente a gente teve avanços tão significativos”, afirmou.
No mesmo evento, o ministro declarou que o Brasil superou “armadilhas ditatoriais”.
Ele já havia dito, no fim de fevereiro, que Bolsonaro teria feito uma confissão ao tentar explicar a origem da minuta golpista, elaborada contra as eleições de 2022, durante discurso feito em ato na avenida Paulista.
“Parece [que foi uma confissão], que todos sabiam”, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo.
“Entendo que o [ex-]presidente saiu de uma situação de possível autor intelectual para uma situação de potencial autor material de todo esse quadro, é isso que a investigação da Polícia Federal trouxe”, afirmou ainda o ministro na mesma entrevista, em que também criticou a ideia de anistiar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.
No sábado (23), ele afirmou à CNN Brasil que a Polícia Federal ainda vai finalizar a investigação e que a Procuradoria-Geral da República irá avaliar o oferecimento de denúncia.
Mas chamou de “brilhante” o trabalho policial no caso. “Temos que reconhecer, quando chega a esses filmetes das reuniões e revela, portanto, não é nada de suposição, é algo bastante documentado”, disse.
Declarações anteriores de Gilmar já se tornaram artilharia para os bolsonaristas. Apoiadores do ex-presidente retiraram de contexto uma frase do ministro para afirmar que ele tinha reconhecido que não houve tentativa de golpe na invasão das sedes dos Três Poderes.
Na declaração, em entrevista em 18 de janeiro de 2023 para o Jornal 2 e reexibida pelo Jornal da Tarde, ambos da emissora portuguesa RTP, Gilmar disse que “não houve, de forma muito clara, não se pode dizer, uma tentativa de golpe, não houve quem quisesse assumir o poder”.
“Ocuparam o Supremo Tribunal Federal, ocuparam o Palácio do Planalto e ocuparam parte do Legislativo (…) Mas, de qualquer forma, causaram um imenso tumulto, como nós estamos a ver e estamos a discutir inclusive no exterior, aqui em Portugal e em outros sítios.”
A fala, porém, ocorreu dez dias após a invasão, quando as investigações ainda não haviam apresentado evidências contundentes sobre os ataques.
Procurado, o STF não se manifestou sobre as declarações de Gilmar.
Em janeiro de 2024, em declaração à agência de notícias AFP, ele atribuiu a Bolsonaro responsabilidade política sobre os atos de 8 de janeiro, e disse que a jurídica ainda estava em discussão.
“O que estava em jogo não era a dúvida que tivessem em relação à urna eletrônica. Era a busca de um pretexto para um caso de resultado desfavorável. Isso ficou muito evidente quando o Bolsonaro, depois do segundo turno, impugna o resultado das eleições só em relação as eleições presidenciais, e só onde ele havia perdido”, disse ele na mesma entrevista.
Cássio Casagrande, professor de direito constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense), avalia como graves falas públicas de Gilmar e outros ministros do STF sobre casos a serem julgados ou com opiniões que resvalam em questões políticas.
Especialista em direito comparado, ele ressalta que a postura contrasta com a de ministros da Suprema Corte dos Estados Unidos. “E lá não tem Loman [Lei Orgânica da Magistratura Nacional], é algo da própria tradição cultural”, afirma.
Casagrande lembra que a aclamada juíza da Suprema Corte americana Ruth Ginsburg divulgou nota dizendo-se arrependida após ter feito comentários negativos sobre Donald Trump, entre os quais um em tom jocoso de que, caso o marido dela estivesse vivo, iria querer se mudar para a Nova Zelândia se o republicano fosse eleito presidente.
“Nós ainda não encontramos um mecanismo institucional para inibir essas extravagâncias”, diz Casagrande.
Advogado e doutor pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Eugênio Pacelli de Oliveira explica que não há previsão específica no Código de Processo Penal para declarar suspeito ou impedido um magistrado em decorrência de manifestações públicas sobre casos em andamento.
Por outro lado, afirma, condutas assim poderiam em tese ser classificadas como “incompatibilidade”, termo presente no Código de Processo Penal e mais aberto a interpretação.
Por outro lado, ele avalia que o fato de os casos de Bolsonaro comentados por Gilmar ainda estarem na fase de inquérito pode ser um argumento a favor do ministro, uma vez que a Lei Orgânica da Magistratura usa o termo “processo”, o que se referiria a uma ação penal, e não “investigação”.
Ele ressalta ainda que só o próprio Supremo poderia decidir por eventual afastamento de ministro em casos similares, já que a corte não está submetida ao controle do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Folha de São Paulo /Reuters