Jornalista que revelou existência do PCC conta como facção saiu das cadeias brasileiras para 28 países

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A jornalista que revelou existência do PCC, Fátima Souza, concedeu entrevista ao Jornal Opção (leia a íntegra), em que descreveu como a facção, que nasceu com a demanda pelos direitos dos presos, se internacionalizou e chegou a 28 países.

Italo Wolff — Como aconteceu a internacionalização do PCC? Por que as autoridades não conseguiram impedir sua associação com grupos de outros países?

Um dos caminhos sempre foi o das mulheres dos presos. Depois, os advogados visitam os presos e podem agir fora das cadeias. É claro que todos têm direito à ampla defesa, mas muitos advogados se aliaram e passaram a atuar como agentes da facção. O PCC começou a crescer muito rapidamente com o tráfico de drogas e descobriu o Porto de Santos. Até hoje, esse é o principal ponto de envio e recebimento de drogas e armas.

O porto foi cooptado com muito dinheiro, mas até hoje eu não consigo compreender bem como o porto continua aberto para o PCC. Dizem “é muita coisa, não dá para verificar todos os carregamentos”. Para mim, é questão de prioridade.

Herbert Moraes — Desde o início houve negligência do Estado com suas denúncias. Essa ausência do Estado é culpada pelo PCC ter se tornado o que é hoje?

Eu tenho certeza disso. Ignorar a facção no início já foi um erro. Espalhá-la pelo Brasil, fez ele tomar conta do país dentro das cadeias. Agora, a inoperância do Estado, esse fingir que o porto de Santos não precisa de uma intervenção — isso é um novo erro nessa corrente.

De vez em quando apreendem cocaína no casco dos navios; tudo uma maquiagem, para fazer de conta que estão trabalhando no problema. O tráfico é tão intenso que agora nós comemos peixes contaminados com cocaína [segundo estudo da Unifesp de 2017].

O PCC, com o tráfico internacional, usando o ponto de Santos como a casa deles, passou a mandar droga para a África, para a Europa, para o Oriente Médio. Começa a entrar muita grana. O PCC fica rico e com esse dinheiro e começa a cooptar policiais da Polícia Civil e da Polícia Militar, que passam a integrar a facção. Continuam sendo policiais, mas usados pelo PCC para saber de operações surpresa que vão acontecer. O PCC passa a comprar droga mais barata, de apreensões do delegado que pega os traficantes.

Hoje, chegou ao ponto de o PCC pagar os custos da graduação em direito para formar advogados para a própria facção. Pagam os estudos para pessoas que prestam concurso para se tornar agentes penitenciários. Não é com a intenção de fugir, é com intenção de ser bem tratado dentro da cadeia. Daquele pequeno fenômeno das penitenciárias, o PCC se torna um gigante, mas o Estado segue com a mesma postura: finge que não enxerga. O Estado finge que não vê que o PCC está mandando droga para fora, está cooptando a polícia, pagando estudos de concurseiros e de advogados.

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Fátima Souza: “O porto de Santos foi cooptado com muito dinheiro — e até hoje é a casa do PCC” | Foto: Acervo Pessoal

Herbert Moraes — Você foi convidada pela embaixada americana para uma palestra em Recife sobre o PCC. Vemos a entrada dos Estados Unidos no Caribe, combatendo o tráfico da Venezuela. Internacionalmente, qual relação internacional do PCC você considera mais preocupante?

Com os cartéis do México. Veja bem, não estou dizendo que o PCC não seja violento, mas os narcotraficantes do México são muito mais brutais; e tenho preocupação de que esses métodos sejam aprendidos e utilizados.

Herbert Moraes — Os EUA estão vendo o Brasil como um narcoestado também?

Temos nossas fronteiras secas importantes para o tráfico de drogas, o porto de Santos, a Amazônia. Talvez eles nos olhem como um país onde o Estado é mais fraco do que a máfia.

Fui convidada pela embaixada para falar sobre esse PCC transnacional. O PCC hoje tem cerca de mil membros em Portugal [segundo relatório de 2023 do SIS de Portugal]. Antes, apenas enviavam a droga para a Europa; hoje estão lá para receber e distribuir. Então, é um polvo que vai esticando seus tentáculos. Lentamente, vão abrindo filiais.

Italo Wolff — Quais são esses 28 países onde está o PCC?

No Líbano; na Austrália; em Trinidad e Tobago, ondo o PCC troca ouro por cocaína. Mesmo na Turquia, onde há pena de morte por tráfico e o preso brasileiro não é deportado, o PCC existe. Em boa parte da América do Sul — mesmo que hoje a relação com as Farc seja bem menor do que já foi. Houve um momento de treinamento com as Farc da Colômbia, quando havia muitos sequestros profissionais, assaltos a banco com até 40 pessoas. Ainda há relações, embora menores, hoje.

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